domingo, 20 de fevereiro de 2011

RECEBIMETO DA DENÚNCIA.MOMENTO.

RECEBIMETO DA DENÚNCIA.MOMENTO.
DANIEL RIBEIRO VAZ, PROF. DE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENELA, ESTÁGIO E CRIMINILOGIA DA UNIVERSIDADE TIRADENTES.

Nos debates referente a Reforma Processual Penal de 2.008 no Congresso Nacional, percebe-se que a proposta do Senado Federal no Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 36, de 2007 (PL nº 4.207, de 2001, na Casa de origem), que “Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos, propõe a seguinte redação do art. 396, CPP:

Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

Ao retornar à Câmara dos Deputados, o Deputado Federal Régis de Oliveira, Relator do PL assim entendeu na COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA:

Emenda nº 8: Sugerida pela Comissão composta no âmbito do Poder Judiciário e apresentada aos senadores do Grupo de Trabalho de Reforma Processual Penal. Pretende suprimir do art. 1º do PLC 36/2007, no que se refere ao caput do art. 395, do Código de Processo Penal, o termo "recebê-la-á", sob a justificativa de que o ato de recebimento da denúncia está previsto no momento descrito no artigo 399, ou seja, após a oportunidade de resposta preliminar. A redação do projeto anteciparia desnecessariamente o exame de admissibilidade da denúncia. Ocorre que instrumento que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que se discute através dos autos. Aliás, após a EC 45, que incluiu o inciso LXXVIII ao art 5º garantindo a duração razoável do processo, mais ainda se faz importante a redação aprovada pela Câmara, pois sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não há para se mandar citar o réu e, somente após a apresentação de defesa deste, extinguir o feito. Melhor se mostra que o juiz ao analisar da denúncia ou queixa ofertada possa fulminar de plano relação processual infrutífera, pois de trabalho inútil certamente não requer o magistrado, sempre assoberbado de processos, sem contar a economia processual obtida com a interrupção inicial e imediata de um relação processual inepta a gerar qualquer tipo de benefício à sociedade. Destarte, mais afinado à nova tendência processual se mostra o texto originariamente aprovado pela Câmara, razão pela qual rejeito a modificação sugerida.

Portanto, concluindo, assim ficou a redação dos dispositivos:

Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).


Portanto o notório equívoco legislativo fez com que interpretações surgissem na doutrina que se arrisca a debruçar sobre o tema, onde necessário se faz a verificação do correto momento processual de recebimento da exordial imprescindível á verificação a interrupção do curso do prazo prescricional (prescrição da pretensão executória estatal), onde insere-se alguns raciocínios divergentes, sendo construída na doutrina, portanto, três entendimentos a respeito:
1º Entendimento.
Estamos diante de dois momentos onde se verifica o recebimento da exordial, ou seja, art. 396 e art. 399, ambos do CPP, interrompendo, portando o curso do prazo prescricional duas vezes. Posicionamento este minoritário.
2º Entendimento.
Alguns sustentam no sentido de que o momento processual do art. 396, CPP ocorre o real recebimento da exordial, sob a alegação de que impossível ocorrer citação sem recebimento da denúncia, portanto o juiz recebe a exordial e cita o réu para que o mesmo apresente sua resposta em 10 (dez) dias.
Este entendimento é sustentado pela doutrina majoritária, dentre eles Fernando da Costa Tourinho Filho, Guilherme de Souza Nucci, Renato Marcão, André Estefan, Eugênio Pacelli, Luiz Flávio Gomes, Andrey Borges De Mendonça, Rômulo De Andrade Moreira e Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto assim como é o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, ex vi :

RECEBIMENTO. DENÚNCIA. ART. 396 DO CPP.
A Lei n. 11.719/2008, como consabido, reformou o CPP, mas também instaurou, na doutrina, polêmica a respeito do momento em que se dá o recebimento da denúncia oferecida pelo MP, isso porque tanto o art. 396 quanto o art. 399 daquele codex fazem menção àquele ato processual. Contudo, melhor se mostra a corrente doutrinária majoritária no sentido de considerar como adequado ao recebimento da denúncia o momento previsto no citado art. 396: tão logo oferecida a acusação e antes mesmo da citação do acusado. Por sua vez, o art. 396-A daquele mesmo diploma legal prevê a apresentação de revigorada defesa prévia, na qual se podem argüir preliminares, realizar amplas alegações, oferecer documentos e justificações, especificar provas e arrolar testemunhas. Diante disso, se o julgador verificar não ser caso de absolvição sumária, dará prosseguimento ao feito ao designar data para audiência. Contudo, nessa fase, toda a fundamentação referente à rejeição das teses defensivas apresentadas dar-se-á de forma concisa, pois o juízo deve limitar-se à demonstração da admissibilidade da demanda instaurada sob pena de indevido prejulgamento, caso acolhido o prosseguimento do processo-crime. Daí que, no caso, a decisão ora combatida, de prosseguir no processo, apesar de sucinta, está suficientemente fundamentada. Precedente citado: HC 119.226-PR, DJe 28/9/2009. HC 138.089-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 2/3/2010.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 396-A DO CPP. LEI nº 11.719/2008. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. MOMENTO PROCESSUAL. ART. 396 DO CPP. RESPOSTA DO ACUSADO. PRELIMINARES. MOTIVAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. I - A par da divergência doutrinária instaurada, na linha do entendimento majoritário (Andrey Borges de Mendonça; Leandro Galluzzi dos Santos; Walter Nunes da Silva Junior; Luiz Flávio Gomes; Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto), é de se entender que o recebimento da denúncia se opera na fase do art. 396 do Código de Processo Penal. II - Apresentada resposta pelo réu nos termos do art. 396-A do mesmo diploma legal, não verificando o julgador ser o caso de absolvição sumária, dará prosseguimento ao feito, designando data para a audiência a ser realizada. III - A fundamentação referente à rejeição das teses defensivas, nesta fase, deve limitar-se à demonstração da admissibilidade da demanda instaurada, sob pena, inclusive, de indevido prejulgamento no caso de ser admitido o prosseguimento do processo-crime. IV - No caso concreto a decisão combatida está fundamentada, ainda que de forma sucinta. Ordem denegada.


Ministro so STJ Féliz Fischer, citando entendimentos doutrinários, assim dispõe:

Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró bem sintetizou a polêmica:
"Definida em quais situações o juiz deve rejeitar a denúncia ou queixa, cabe analisar qual o primeiro momento em que o juiz deverá fazê-lo ou, ao contrário, em que situação a peça acusatória deverá ser recebida. Exatamente neste ponto, a reforma do Código de Processo Penal tem causado uma grande celeuma: a contradição evidente entre o art. 396, caput, e o art. 399, posto que ambos se referem ao recebimento da denúncia, em dois momento distintos. O novo art. 396 dispõe: "Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias." (destacamos) Por sua vez, depois da resposta (art. 396-A, CPP), não sendo o caso de absolvição sumária (art. 397, CPP), o novo art. 399 dispõe: "Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente." (destacamos) Não há como coexistirem dois recebimentos da denúncia." (in "Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 76, jan-fev 2009", Editora RT)
Neste ponto, acompanho a doutrina majoritária que afirma ser o momento adequado ao recebimento da denúncia o previsto no art. 396 do CPP, portanto, tão logo oferecida a acusação, e antes da citação do acusado, ante a previsão expressa, recebê-la-á, inserta no dispositivo. Nesta senda ensina a doutrina: "Assim, uma vez oferecida a denúncia, e não vislumbrando o magistrado as hipóteses de rejeição de que trata o art. 395, ele deverá receber a peça. com todos os seus efeitos, inclusive o de interromper a prescrição." (Leandro Galluzzi dos Santos in "As reformas no processo penal - As novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma ". Coordenação Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Editora RT, São Paulo: 2008, pg.323). "De toda sorte, o melhor mesmo é que, antes mesmo da resposta do acusado, haja a oportunidade para que o juiz se pronuncie, nas apenas pela rejeição como era a proposta original do Executivo, como, igualmente, se for o caso, pelo recebimento da ação penal, o que, aliás, é a regra" (Walter Nunes da Silva Junior in "Reforma Tópica do Processo Penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri", Editora Renovar, Rio de Janeiro: 2009, pg.90). Além destes: Andrey Borges de Mendonça in "Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo". São Paulo: Editora Método, 2008 p.267/268; Luiz Flávio Gomes; Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista
Pinto in "Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito ". São Paulo: Editora RT, 2008, p. 338.

3º Entendimento.
Outros defendem a tese de que este momento processual verificar-se-á apenas na fase do art. 399, CPP, pois nota-se que erroneamente o legislador (segundo a linha da Lei de Drogas e nas idéias de Ada Pelegrine Grinover, alterada pelo legislador) equivocadamente utilizar duas vezes e verbo “receber”. Um dos autores da Reforma Processual Penal, Antonio Magalhães Gomes Filho sustenta esse entendimento assim como Geraldo Prado, Paulo Rangel, Antonio Scarance Fernandes, José Fernando Gonzales, Mariângela Lopes, Cezar Roberto Bittencourt (IBCCRIM n.º 190), in fine:

O recebimento da denúncia no novo procedimento
Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes
Antonio Scarance Fernandes
Professor titular de Direito Processual Penal da USP, procurador de Justiça aposentado e coordenador do ASF –
Cursos e Eventos Mariângela Lopes
Advogada, mestre e doutoranda em Direito Processual Penal pela USP
FERNANDES, Antonio Scarance; LOPES, Mariângela. O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 190, p. 2-3, set. 2008.

Uma das mais relevantes questões a respeito da reforma do Código de Processo Penal refere-se à dificuldade em se interpretar os dispositivos que prevêem dois momentos para o recebimento da denúncia ou queixa: 1. O primeiro, antes da apresentação da resposta do réu; 2. O segundo, após a sua apresentação. O primeiro consta da nova redação dada ao artigo 396, do Código de Processo Penal: “Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente(1), recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.” O segundo está no novo artigo 399: “Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”.
Assim, pode haver um inicial recebimento da denúncia ou queixa se não houver sua rejeição liminar. São, assim, duas as possibilidades do juiz: rejeição liminar ou recebimento. Se receber, manda citar o acusado para apresentar sua resposta. O outro recebimento pode ocorrer depois de ser facultada ao acusado a possibilidade de apresentar a sua resposta, na qual poderá alegar tudo que deseja em sua defesa e postular a rejeição da acusação ou a sua absolvição sumária. O juiz pode seguir três caminhos: rejeita a acusação, absolve sumariamente ou recebe a denúncia ou queixa. Se receber, marcará audiência para produção de provas, debates e julgamento.
Os novos textos geraram perplexidades e dúvidas.
As perplexidades foram motivadas pela dissonância entre os textos aprovados e os constantes do Projeto nº 4.207/2001, que deu origem à Lei nº 11.719/2008. Ele não previa um primeiro recebimento da denúncia no artigo 396, assim redigido: “Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de dez dias, contados da data da juntada do mandado aos autos ou, no caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” Havia somente um momento para o juiz receber a denúncia ou queixa, aquele posterior à apresentação da resposta pelo réu. A intenção era a de criar a possibilidade da apresentação de defesa pelo acusado antes do recebimento ou rejeição da peça acusatória, nos moldes existentes no procedimento especial previsto para os crimes praticados por funcionário público.
Sobre o Projeto, comentou Maria Silvia Garcia de Alcaraz Reale Ferrari: “O Projeto de Lei 4.207/01, com primor, introduz no ordenamento jurídico, como regra, a defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia ou queixa-crime: em seu artigo 395, dispõe que, nos procedimentos ordiná¬rios e sumário, oferecida a denúncia ou queixa-crime, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado, para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias”(2). Observa a autora: “A defesa preliminar, aplicável a todos os procedimentos, é inovação brilhante merecedora de aplausos, ante a obediência desmedida aos princípios garantísticos constitucionais” (grifo nosso)(3).
Na Câmara dos Deputados, houve alteração do projeto, mantendo-se o recebimento do projeto e criando-se outro antes da resposta do réu. No Senado Federal, optou-se pela manutenção do texto original. No entanto, quando o texto voltou à Câmara, a emenda proposta pelo Senado foi rejeitada, conforme parecer do deputado Régis Fernandes de Oliveira(4), do qual se depreende a intenção de evitar o seguimento de processos com acusações manifestamente ineptas.
A falta de técnica do legislador gerou dúvidas e já se esboçam equivocadas interpretações.
Apesar da falta de técnica, tem-se a realidade dos novos artigos e das previsões de dois recebimentos, sendo mister dar-lhes interpretação condizente com o espírito da reforma e com a intenção do legislador.
Em que pese o legislador ter usado a mesma denominação para os dois atos do juiz, representam, nos termos da lei, atos distintos, embora tenham a mesma finalidade: análise da possibilidade de ser aceita a acusação. A diversidade entre eles decorre, até com certa facilidade, dos artigos que regulam essa fase de admissibilidade da acusação.
Como se extrai do artigo 396, o primeiro recebimento está ligado à não rejeição liminar da denúncia ou queixa, ou, em outras palavras, ele ocorre quando há viabilidade de se dar seguimento ao processo, porque, numa análise preliminar, não há razão para se repelir a acusação. Não mais do que isso. Pode-se, até mesmo, afirmar que se trata de um recebimento preliminar, provisório. Depois dele, o acusado será citado para apresentar a resposta, mas ainda se segue na fase de admissibilidade de acusação, ainda não encerrada.
Também se retira do artigo 399 que, se após a resposta do acusado, os seus argumentos não forem acolhidos, o juiz não rejeitará a denúncia ou queixa, não absolverá sumariamente, e, então, receberá a peça acusatória, encaminhando o processo para a fase seguinte do julgamento.
A existência de dois juízos de admissibilidade não é fenômeno novo. Isso ocorre, entre nós, nos processos de júri. Em outros países, também eles são encontrados.
Por outro lado, é característica do processo penal a existência dos conhecidos juízos de formulação progressiva, bem retratados pela doutrina, desde Carnelutti, e, entre nós, desde Frederico Marques(5). Tratam-se juízos diversos pela profundidade de cognição exigida, mas incidentes sempre sobre as mesmas matérias: existência do crime e elementos sobre a autoria.
Têm surgido, entretanto, interpretações de que somente existe um momento, o do artigo 396, para o recebimento da denúncia ou queixa: antes do momento de oferecimento da resposta pelo réu. Para justificar essa orientação, acrescenta-se ao artigo 399 o que dele não consta. Afirma-se que teria ocorrido uma omissão por parte do legislador e um erro na redação do texto legal, pois deveria ter sido redigido da seguinte forma: “Recebida a denúncia ou queixa e não sendo o caso de absolvição sumária, o juiz designará dia e hora para a audiência”(6).
Essa exegese não resiste a qualquer tipo de interpretação. Não é o que se extrai do texto literal do artigo 399. Não é o que deriva da análise sistemática dos artigos que compõem a fase de admissibilidade da acusação. Não é o que dimana do espírito da reforma e da intenção do legislador. Os próprios comentadores acrescentam palavras não existentes no artigo 399. Não teria sentido abrir oportunidade ao acusado para a sua resposta, na qual pode alegar qualquer matéria em sua defesa, inclusive as que possibilitam a rejeição da denúncia ou queixa, se o juiz não pudesse mais rejeitar a acusação. As últimas reformas no Brasil (Lei sobre Competência Originária, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Lei Antitóxicos) e a projetada para os procedimentos do código tiveram como objetivo proporcionar ao acusado se defender antes de ser admitida a acusação. O legislador, como está no parecer acima referido, elaborado por talentoso juiz de direito, quis, com o recebimento preliminar, impedir o seguimento de processos quando a acusação for manifestamente inidônea, com o objetivo de proteger o acusado, a fim de não precisar comparecer perante o juízo e se defender.
Embora não tenha o legislador usado da melhor técnica, criou um procedimento justo e equilibrado. Permite ao Ministério Público ou à vítima oferecer denúncia ou queixa. Possibilita ao juiz, em casos de manifesta falta de idoneidade da acusação, que o juiz, que, liminarmente, não a acolha, recebendo provisoriamente a denúncia, para o fim de ser o acusado citado. Dá ao acusado oportunidade de se defender. Finalmente, antes de se encaminhar o processo a julgamento, o juiz fará o juízo final de admissibilidade da acusação, quando poderá, aí sim, num juízo mais aprofundado, absolver sumariamente o acusado, repelir a acusação ou receber a denúncia ou queixa.
Notas
(1) Segundo a nova redação do artigo 395, do CPP, a denúncia ou queixa será rejeitada quando: “I – for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.”
(2) Código de Processo Penal, Comentários aos Projetos de Reforma Legislativa, Editora Millennium, 2003, p. 151.
(3) Código de Processo Penal, Comentários aos Projetos de Reforma Legislativa, Editora Millennium, 2003, p. 152.
(4) Consta do parecer: “Emenda n. 8: Pretende alterar no caput do art. 395, do Código de Processo Penal, o termo ‘recebê-la-á’ sob a justificativa de que o ato de recebimento da denúncia está previsto no momento descrito no art. 399. O instrumento que é o processo, não pode ser mais importante do que a própria relação material que se discute nos autos. Sendo inepta de plano a denúncia ou queixa, razão não há para se mandar citar o réu e, somente após a apresentação de defesa deste, extinguir o feito. Melhor se mostra que o Juiz ao analisar da denúncia ou queixa ofertada fulmine relação processual infrutífera. Rejeita-se a alteração proposta pelo Senado.”
(5) Citando Frederico Marques, fala-se no juízo progressivo adquirido com base em “dados e elementos diversos” e, em sua formulação por meio da imputação, produz “efeitos e conseqüências de natureza diferente, consoante integre uma notitia criminis, uma acusação ou uma sentença condenatória, respectivamente” (FERNANDES, Antonio Scarance. Reação Defensiva à Imputação, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 156.
(6) MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, Comentada Artigo por Artigo. São Paulo: Editora Método, 2008, pp. 266/267. No mesmo sentido, André Estefam Araújo Lima, in “A lei nº 11.719/2008 não criou defesa preliminar”, publicado no site
www.damasio.com.br/?page_name=art_023_2008& category_id=506.

Antonio Scarance Fernandes
Professor titular de Direito Processual Penal da USP, procurador de Justiça aposentado e coordenador do ASF - Cursos e Eventos
Mariângela Lopes
Advogada, mestre e doutoranda em Direito Processual Penal pela USP

Na mesma linha de argumentação, Cezar Roberto Bitencourt assim dispõe :

O recebimento da denúncia segundo a Lei 11.719/08
POR CEZAR ROBERTO BITENCOURT E JOSE FERNANDO GONZALEZ
Juízo de admissibilidade e contraditório antecipado
Desde muito tempo os operadores do Direito, em sua maioria, reclamavam modificações no processo penal; entre os argumentos, não raro o de que a atividade investigatória registra baixa efetividade em nosso sistema repressivo, sendo demasiadamente burocrática; ou que o processo propriamente dito seria moroso e permeável a um conjunto de práticas que tanto poderiam servir à busca da chamada verdade real quando à procrastinação pura e simples. Pois a reforma aí está, introduzindo profundas alterações em determinados pontos do sistema; nesse contexto, a Lei 11.719, em vigência desde agosto de 2008, que alterou institutos como a emendatio libelli e a mutatio libelli, bem como estabeleceu novas regras para os procedimentos em geral. Resta saber se todas essas modificações estão em consonância com a expectativa da comunidade jurídica, e se irão mesmo produzir os resultados que se apregoa.
A questão fulcral, parece-nos, preliminarmente, reside no juízo de admissibilidade da ação penal, ou seja, haverá um ou dois recebimentos da denúncia ou queixa, ou, mais precisamente, valerá a primeira ou a segunda previsão legal? A complexidade que o novo texto legal apresenta a um tema até então de fácil compreensão, recomenda uma reflexão mais alentada, na tentativa de contextualizá-lo adequadamente. No anterior modelo, o juízo de admissibilidade, a que sempre denominamos recebimento da denúncia ou queixa, dava-se, em regra, imediatamente após o oferecimento da inicial acusatória. Trata-se (o recebimento) de providência relevante, porquanto constitui marco interruptivo da prescrição (art. 117, I, do Código Penal) e, ao menos no sistema anterior, presa ao princípio da indisponibilidade; assim, recebida a inicial, tinha-se que a ação penal era (ou ainda é?) como uma flecha, que desprendida do arco que a impulsiona somente no alvo (a sentença) exaure a sua força.
Também não é de hoje que se discute a possibilidade de haver contraditório em momento anterior ao juízo de admissibilidade (recebimento da denúncia ou queixa); há vantagens nisso, tanto para o acusado (possibilidade de demonstrar desde logo que a ação é infundada) quanto para o próprio Estado Jurisdição (possibilidade de abreviar demandas inúteis e/ou aglutinar atos instrutórios). Não é outra coisa o que temos para os crimes de imprensa, pois a Lei 5.250/67, em seu artigo 44, estabelece que o recebimento da denúncia só irá acontecer depois do oferecimento de resposta pela defesa; é o que também ocorre nos casos submetidos aos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95, art. 81) e, de certo modo, no procedimento previsto para os crimes de tráfico (Lei 11.343/06).
Pois é justamente quanto ao recebimento da denúncia ou queixa que a Lei 11.719/08 enseja, a nosso sentir, maior controvérsia. O PL 4.207/01, que deu origem à lei, chegou ao Congresso Nacional com a proposta de uma uniformização dos procedimentos e, fora de qualquer dúvida, pretendendo um modelo de contraditório antecipado, em que o juízo de admissibilidade só aconteceria depois da manifestação defensiva; basta ver a redação que era pretendida para o artigo 395:
“Art. 395. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias, contados da data da juntada do mandado aos autos ou, no caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.”
O projeto, no entanto, sofreu alterações no Congresso Nacional; e a redação que se pretendia dar ao art. 395 tornou-se, com emendas, aquela do atual art. 396. Ou seja:
Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
Exceção feita ao marco inicial do prazo para oferecimento de resposta (foi abolida a idéia da contagem a partir da juntada do mandado aos autos) ou aos casos de citação por edital (a previsão foi deslocada para o parágrafo), o texto em vigência (art. 396) reproduz a redação pretendida pelo projeto para o artigo 395, só que ali foi inserida a expressão “recebê-la-á”. Pode parecer, então, que o legislador teria pretendido retroceder ao antigo sistema, mantendo o juízo de admissibilidade ab initio. Ocorre que, em linhas gerais, as demais disposições do projeto foram mantidas, como adiante veremos; e muitas delas são, a nosso ver, incompatíveis com o recebimento da denúncia nesse primeiro momento. O legislador, então, pode até ter pretendido antecipar o recebimento da inicial (juízo de admissibilidade) para oportunidade anterior à citação, mas certamente não o fez.
Em primeiro lugar, antes que se passe à análise dos dispositivos introduzidos pela reforma, faz-se necessário lembrar que, ao menos sob enfoque jurídico — e para efeitos processuais — recebimento da denúncia ou queixa e juízo de admissibilidade são expressões equivalentes. Veja-se a doutrina:
“‘Recebimento’ não se confunde com ‘oferecimento’, e caracteriza-se pelo despacho inequívoco do juiz recebendo a denúncia ou queixa. Despacho meramente ‘ordinatório’ não caracteriza seu recebimento.”[1]
O exame sistemático do novo regramento permite que dele se extraia todo um conjunto de conclusões. E nos parece conveniente iniciar pela nova redação do artigo 363:
“Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.”
Para o anterior modelo, a relação processual se completava com o recebimento (admissibilidade) da inicial, daí o fundamento para que fosse esse o marco interruptivo do prazo prescricional (e não a citação); a partir desse marco o acusado transmudava-se à condição de réu; por isso benefícios, como a suspensão condicional do processo, estavam vinculados ao recebimento da denúncia (art. 89, § 1o, da Lei 9.099/95). A Lei 11.719/08 introduziu no processo penal, portanto, alteração profunda, de natureza estrutural, emprestando instituições típicas do processo civil; a redação atual do artigo 363 atribui à citação válida no processo penal dignidade semelhante àquela estabelecida pelo artigo 219 do Código de Processo Civil.
Juízo de admissibilidade: causas de rejeição e absolvição sumária
Num segundo momento, a novel legislação, cuidando da admissibilidade, enumerou circunstâncias, erigindo-as à condição de causas de rejeição (art. 395) ou absolvição sumária (art. 397). Não se deve pensar que essa seja uma inovação substancial, pois todas essas possibilidades (395 e 397) já existiam entre nós, e sua utilização não era rara. Qual o juiz que, antes da reforma, receberia uma denúncia inepta? Ou não poderia o juiz, antes, rejeitar a inicial por entender tratar-se de conduta atípica? O que verificamos no texto novo caracteriza tão somente uma tentativa de aperfeiçoar a redação do artigo 43 (revogado), dividindo os fundamentos da inadmissibilidade em dois grupos: o primeiro diz com a forma, e a esse a lei denominou causas de rejeição; o segundo alcança o mérito, dizendo-se causas de absolvição sumária; a rejeição faz coisa julgada só formal; a absolvição sumária faz coisa julgada material. Mas isso também não é novidade: desde muitos anos o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem entendendo que “rejeição” e “não recebimento” são coisas distintas; a Corte considerava “rejeição” a recusa pelo mérito, e “não recebimento” pela forma. Por isso nos casos de “rejeição” entendia cabível recurso de apelação; e ante a equivocada interposição de um recurso por outro resolvia pela fungibilidade recursal, como exemplifica o seguinte aresto:
“Princípio da fungibilidade. Recebimento do recurso como apelação. A decisão que rejeita a denúncia, com fulcro no art. 43 do CP, desafia apelação-crime e não recurso em sentido estrito. Aplicação do princípio da fungibilidade para receber a inconformidade ministerial como apelação.”[2]
Pelo novo sistema, o juízo de (in)admissibilidade dar-se-á do seguinte modo: oferecida a denúncia ou queixa, ao juiz é reconhecida, desde logo, a faculdade de rejeição liminar (art. 396). Evidente que esse ainda não será o momento definitivo para a rejeição propriamente dita, mas apenas uma possibilidade para que o juiz faça isso liminarmente; assim, frente a uma inicial notadamente inepta, poderá o juiz “rejeitá-la” de plano. A decisão que se contrapõe à “rejeição liminar” decerto não pode ser confundida com “recebimento”, ao menos para os efeitos jurídicos que disso podem advir ao acusado, como a interrupção da prescrição, por exemplo. Pensamos que o juiz, nessa oportunidade, em não rejeitando liminarmente a inicial, proferirá despacho meramente ordinatório, determinando a citação. A admissibilidade “stricto sensu” só acontecerá mais tarde, quando o juiz poderá, examinados os argumentos de defesa, ainda rejeitar; ou absolver sumariamente o acusado; ou mesmo receber a inicial. E, como nos parece totalmente despropositado possa haver dois juízos de admissibilidade, temos que o art. 396 cuida tão somente de uma possibilidade de rejeição liminar. Ou isso ou seria necessário dizer que recebimento da denúncia não equivale a juízo de admissibilidade; e para isso seria necessário renegar conceitos doutrinários e posições jurisprudenciais consolidados desde décadas.
Por outro lado, estivesse já esgotada a possibilidade de rejeição, a manifestação obrigatória do acusado (art. 396-A), em que poderá alegar ...tudo o que interesse à sua defesa..., tornar-se-ia, no mais das vezes, providência meramente formal, vazia de conteúdo, a exemplo do que antes já ocorria. Portanto, o novo modelo reclama interpretação sistemática dos dispositivos, não se podendo atribuir à expressão recebê-la-á um significado puramente textual; trata-se, segundo pensamos, de receber para o só efeito de mandar citar. Em não rejeitando liminarmente a denúncia ou queixa, o juiz determinará a citação, para que o acusado ofereça resposta. Cumprida essa providência defensiva o juiz deverá, diz a lei, absolver sumariamente o acusado quando verificar presente qualquer das hipóteses dos incisos do art. 397; ou, parece claro, repita-se por necessário, ainda rejeitar, caso só então reste convencido de que presente alguma daquelas hipóteses do artigo 395.
Quanto ao disposto no artigo 397, exceção feita à alínea IV (extinta a punibilidade do agente), todas as demais (I — a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II — a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; e III — que o fato narrado evidentemente não constitui crime) são hipóteses de inadmissibilidade com alcance de mérito, a que antes denominávamos rejeição, e em que se entendia cabível recurso de apelação. A extinção de punibilidade, cujo reconhecimento não pode ser confundido com decisão absolutória, foi inserida no rol desse dispositivo pelo só fato de que, inadmitida a ação ao amparo de prescrição, por exemplo, outra denúncia ou queixa não pode ser tolerada quando oferecida em razão do mesmo fato. Melhor seria se o legislador, no que respeita às causas extintivas da punibilidade, tivesse apenas remetido ao artigo 61 do diploma.
Não foi sem causa, decerto, que, cuidando dos procedimentos, já na primeira regra, no inciso III, do parágrafo 1º, do artigo 394, a novel legislação introduziu comando que mantém inalterado o modelo dos Juizados Especiais Criminais para os casos de infrações de menor potencial ofensivo. Ou que sentido haveria em a legislação — cujo propósito uniformizador é inquestionável — adotar posição conservadora tão somente em relação aos procedimentos ordinário e sumário, mantendo expressamente inalterado o sistema da Lei 9.099/95? E lá, nos Juizados Especiais, não paira dúvida de que o procedimento seja de contraditório antecipado. Veja-se, a propósito, interessante ementa da Turma Recursal da Capital Gaúcha:
APELAÇÃO DEFENSIVA. AMEAÇA. ARTIGO 147 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO.
“Havendo momento legal próprio no procedimento sumaríssimo da Lei 9099/95 para o recebimento da denúncia, somente este tem o potencial jurídico para a interrupção da prescrição, no plano do direito material. Denúncia recebida antes de ser o réu citado e apresentar defesa prévia não observa o devido processo legal, conforme artigo 81 do citado diploma, não provocando, portanto, a interrupção do prazo prescricional. Este, no caso, foi interrompido na audiência, após citado o réu a apresentada defesa prévia. Preliminar de prescrição acolhida. Unânime.”[3]
Por outro lado, é necessário atentar para o que agora dispõe o inciso I, do artigo 156, do diploma processual, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.690, de 09 de junho de 2008:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I — ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
Em que momento dar-se-á essa produção antecipada de provas? A questão mais uma vez exige interpretação sistemática: (1) referida providência não pode, decerto, acontecer em momento anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa, sob pena de o juiz substituir-se à autoridade policial, o que soaria totalmente desconexo frente ao sistema que adotamos; (2) também não haveria qualquer lógica em que pudesse acontecer após o juízo de admissibilidade, porquanto, se fosse assim, não se cogitaria de produção antecipada de prova.
A conclusão que se impõe, portanto, é de que ao juiz é facultado dilatar a prova no intervalo que medeia entre o oferecimento da inicial acusatória e o juízo acerca de sua admissibilidade. E não se trata de novidade, pois é exatamente disso que cuida o parágrafo 5o, do artigo 55, da Lei 11.343 (Lei de Drogas), em vigência desde 2006; a inovação agora contida no inciso I, do artigo 156, consiste apenas em estender essa possibilidade a todos os procedimentos, o que impõe concluir que em todos eles terá de haver contraditório antecipado; e isto porque não haveria lógica em o juiz antecipar prova antes de ouvir a defesa, para o só efeito de uma possível rejeição liminar. Portanto, a faculdade que a lei entrega ao juiz consiste, fora de dúvida, possa, apresentados os argumentos da defesa, e considerando sua relevância relativamente às possibilidades de rejeição ou absolvição sumária, antecipar elementos de prova para, só depois, decidir sobre a admissibilidade da ação.
O contraditório antecipado e a irrelevância dos reflexos na prescrição
Os reclamos, que aqui e ali se fazem ouvir, de que um modelo de contraditório antecipado, em que o recebimento da denúncia ou queixa só aconteça após manifestação defensiva, ensejaria recrudescimento da prescrição; que a providência citatória pode demandar tempo significativo em alguns casos, o que retardaria o juízo de admissibilidade; decerto não podem ser tomados em conta de “argumentos” para a correta aferição do novo sistema. Em primeiro lugar, o eventual retardamento em face da citação, deslocando o marco interruptivo da prescrição para o futuro, tem duplo significado: (1) aumenta, é certo, o lapso temporal entre o fato e o recebimento da denúncia ou queixa; (2) em contrapartida, diminui o lapso entre o juízo de admissibilidade e a sentença condenatória recorrível; assim, tanto pode contribuir para a prescrição quanto para evitá-la. De outra parte, lembremos que a possibilidade de defesa preliminar, assegurada nos artigos 514 do diploma processual e 4º da Lei 8.038/90, igualmente reclama providência notificatória que pode retardar o juízo de admissibilidade, e nem por isso foi alguma vez questionada à luz da maior ou menor incidência de prescrição. Afora tudo isso, eventual aumento dos casos de prescrição, ainda que verdadeiro fosse, teria de ser visto como uma conseqüência do novo modelo, não nos parecendo razoável colacioná-lo a guisa de “fundamento” para interpretar a lei neste ou naquele sentido.
Também se escuta observações de que seria despropositado citar o acusado antes do recebimento da denúncia ou queixa. Em verdade, como já dissemos anteriormente, é necessário atentar para a redação do caput do artigo 363, introduzida pela reforma, não nos parecendo, diante dessa regra, existir qualquer obstáculo a que a citação aconteça antes da admissibilidade. Aliás, vale repetir que a Lei 5.250 (Lei de Imprensa), desde o distante ano de 1967 prevê a citação antes do recebimento da denúncia (artigo 43, § 1º), e não temos conhecimento de que a doutrina tenha alguma vez questionado esse dispositivo.
De outra parte, igualmente não prospera a alegação de que a admissibilidade deveria acontecer desde logo, pois que seria ilógico o juiz absolver sumariamente antes de receber a inicial. Mais uma vez o equívoco está em interpretar as novas regras tomando em conta o modelo anterior (revogado). À absolvição sumária contrapõe-se não à condenação, mas sim — e justamente — à admissibilidade da ação; tem-se, com isso, que a absolvição sumária (art. 397), tanto quanto a rejeição (art. 395), não só podem como devem acontecer justo no momento em que o juiz decide sobre o recebimento ou não da inicial.
Inconstitucionalidade parcial com redução de texto
Diante de tudo isso, mesmo que a expressão ‘recebê-la-á’, inscrita no artigo 396, por amor ao texto legal — que, segundo se diz, não contém palavras inúteis — fosse tomada ao pé da letra, isso configuraria violação ao modelo, descaracterizando-o pela contradição entre os dispositivos; verificar-se-ia, fosse assim, hipótese de inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, devendo, segundo entendemos, ser suprimida a equivocada expressão “recebê-la-á”, que reconhecidamente vai de encontro, por inteiro, ao sistema que o novo diploma legal pretende implantar.
Não há dúvida de que uma norma será tanto pior quanto maior for o grau de dificuldade que impuser a seus intérpretes; não é menos certo, porém, que a leitura será tão pior quanto maior for o casuísmo incorporado ao propósito da exegese. A reforma recentemente introduzida ao processo penal brasileiro contém graves defeitos: aqui e ali foi mutilada pelos arranjos de ocasião, que são característicos da esfera política, e que, via de regra, pouco têm a ver com a técnica do direito; “importou” instituições do processo civil, como a citação por hora certa, desconsiderando o fato de o processo penal ser preso a princípios quase sempre incompatíveis com as cousas do direito privado. Tudo isso faz com que a aplicação do novo sistema constitua importante desafio aos operadores do direito, de quem se espera a cautela necessária, na busca de uma interpretação que dê harmonia ao texto e, acima de tudo, venha despovoada de preconceitos ou interesses meramente institucionais.
Diante desse conjunto de argumentos, acreditamos que o novo modelo é sim de contraditório antecipado, e que o recebimento da denúncia ou queixa, assim considerado o juízo de admissibilidade da ação, dar-se-á após a manifestação defensiva, ou seja, no segundo momento, aquele de que cuida o art. 399 do Código de Processo Penal com a redação que agora lhe foi dada. Reconheça-se que a controvérsia inicial sobre o tema guarda relação tão somente com o marco interruptivo da prescrição: não fosse esse “efeito” da admissibilidade e inexistiria relevância alguma em estabelecer qual o momento em que se dá o recebimento da denúncia ou queixa. O que nos parece necessário compreender — e defender — é que a reforma da legislação processual penal, por mais profunda que possa ter sido, não irá “derrogar” convicções há muito consolidadas, entre elas a de que recebimento da denúncia ou queixa, para que se erga à condição de causa interruptiva da prescrição, precisa ser tido como um equivalente ao juízo de admissibilidade.
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[1] Bitencourt, Cezar Roberto; Código Penal Comentado, Saraiva, 3ª ed., 2005, p. 376.
[2] TJRS, Ap. 70023949704, 8a Câmara Criminal, j. em 25.06.2008.
[3] Turma Recursal Criminal, Poá-RS, Recurso Crime 71000962001.

Ressalte-se que esse entendimento é o pretendido tanto pelos autores da Reforma Processual Penal de 2008 assim como pelo Congresso Nacional, onde estaríamos diante de um Juízo de Deliberação Progressivo, segundo uma moderna corrente européia (França, Itália), citando como autores do direito comparado: Valérie Dervieux, e Antoinette Perrodet , onde admitir-se-ia um juízo de admissibilidade positivo e outro juízo de admissibilidade negativo.
Estaríamos portanto diante de uma tendência da Europa com dois momentos de admissibilidade da exordial, um juízo de admissibilidade provisório (art. 396, CPP) e um juízo de admissibilidade definitivo (art. 399, CPP).
Aproveita-se a oportunidade para ensejar que o entendimento desse docente, em que pense posições em sentido contrário, é na idéia de que o recebimento na exordial seria no momento processual do art. 399, CPP e não no art. 396, CPP.
Ora, após a manifestação da resposta do réu onde o magistrado realmente poderá analisar a luz do contraditório se receberá ou não a exordial absolvendo ou não sumariamente, data venia, entendimento diverso do narrado pelo docente, onde mesmo admitindo-se a tese em sentido contrário, necessitar-se-á de fundamentação consistente á valoração verificado na seqüência.
Dentro desse contexto polêmico e árido verificado com interpretações doutrinárias, jurisprudenciais, autênticas, literais, históricas, teleológicas assim como ref. ao direito comparado