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Entrevista
Direito Penal do Inimigo
Entrevistado
Luiz Regis Prado
Professor Titular de Direito Penal e Teoria Geral do Direito e Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Estadual de Maringá Pós-doutor em Direito Penal pela Universidade de Zaragoza (Espanha); Pós-doutor em Direito Penal Ambiental Comparado pela Universidade Robert Schuman de Strasbourg (França); Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha); Autor de diversas obras publicadas pela editora RT. www.regisprado.com
Carta Forense - Para podermos entender o contexto da entrevista que desenrolará, como o senhor conceitua o Direito Penal do Inimigo?
Luiz Regis Prado - O Direito Penal do inimigo é um Direito Penal de exceção, feito regra. Trata-se de uma construção teórica fundamentada essencialmente na distinção entre cidadãos e não-cidadãos (ou inimigos) que, no âmbito dogmático, consiste na própria separação entre pessoas e não-pessoas, conduzindo à distinção entre dois pólos de regulação normativa penal, coexistentes no ordenamento jurídico: um dirigido ao cidadão e outro ao inimigo. Desse modo, de um lado, o Direito Penal do cidadão define e sanciona delitos cometidos por pessoas de forma incidental, ou seja, delitos que representam um abuso nas relações sociais de que participam. Assim, o cidadão oferece a chamada "segurança cognitiva mínima", ou seja, a garantia de que se submetem ao preceito normativo e, por isso, são chamados a restaurar a sua vigência por meio da imposição sancionatória. Por essa razão, esses indivíduos continuam a ser considerados pessoas e, portanto, cidadãos aptos a fruir de direitos e garantias assegurados a todos que partilhem desse status. O Direito Penal do inimigo, de seu turno, dirige-se a indivíduos que, por seu comportamento, externam uma pretensão de ruptura ou destruição da ordem normativa vigente e, portanto, perdem o status de pessoa e cidadão, submetendo-se a um verdadeiro Direito Penal de exceção, cujas sanções têm por finalidade primordial não mais a restauração da vigência normativa, mas assegurar a própria existência da sociedade em face desses indivíduos. O Direito Penal do inimigo tem como uma de suas marcantes características o combate a perigos, por isso representa, em muitos casos, uma antecipação de punibilidade, na qual o "inimigo" é interceptado em um estado inicial, apenas pela periculosidade que pode ostentar em relação à sociedade. Para ele, não é mais o homem (= pessoa de "carne e osso") o centro de todo o Direito, mas sim o sistema, puramente sócionormativo.
CF - O que se define por "inimigos"?
LRP - O "inimigo" é considerado o "irreconciliavelmente oposto", isto é, aquele que apresenta um distanciamento duradouro e não incidental das regras de Direito, verificado pelo seu comportamento pessoal, profissão, vida econômica, etc. As relações sociais desses indivíduos desenvolvem-se à margem do Direito e, por isso, não oferecem a segurança cognitiva mínima necessária para que sejam considerados como pessoas. Essa condição de inimigo radica, sobretudo, em sua desconsideração enquanto pessoa, conceito que, segundo essa teoria, tem um viés normativo. Assim, pessoa não é um dado natural, inerente a todo e qualquer indivíduo, mas está relacionado ao destino das expectativas normativas. É dizer: a atribuição dessa condição social - pessoa - a um indivíduo depende do grau de satisfação das expectativas normativas que ele é capaz de prestar. O inimigo, portanto, seria incapaz de atender o mínimo de expectativas normativas, pois, em realidade, ele não só refuta a legitimidade do ordenamento jurídico, como busca a sua destruição.
CF - O que muda no tratamento de um do cidadão normal e um "inimigo"?
LRP - Do ponto de vista dogmático, como antes afirmado, o inimigo não é considerado como pessoa para o ordenamento jurídico porque não oferece um grau mínimo de satisfação das expectativas normativas. Isso implica a supressão de uma série de garantias individuais - de cunho material, processual ou de execução - que, além de inocuizá-los, tem por escopo facilitar o combate a determinadas formas de criminalidade como, por exemplo, o terrorismo e a criminalidade organizada. Nesse sentido, busca-se eliminar certos grupos de indivíduos, o que denota traços característicos de um Direito Penal autoritário, afastado dos princípios que regem o Direito Penal do fato, caracterizando-se, portanto, como verdadeiro Direito Penal do autor.
CF - Dentro desta teoria há fundamentos filosóficos?
LRP - Sim. Há fundamentos filosóficos e muito mais antigos. As raízes históricas desse pensamento remontam, sobretudo, a certas concepções da filosofia moderna, como as de Rousseau, Fitche, e, especialmente de Hobbes, cuja contribuição foi decisiva para emprestar ao Direito Penal do inimigo os conceitos de "estado de natureza", "contrato" e "direito de guerra" contra os inimigos. Portanto, dessa construção de Jakobs não emerge tanta novidade; houve, na verdade, uma sistematização de idéias próprias da filosofia moderna e de um pensamento autoritário bem mais antigo.
CF - Dentro da teoria do direito penal, quais são as características mais marcantes?
LRP - Pode-se mencionar como traços marcantes dessa construção, a antecipação de punibilidade (combate a perigos), buscando-se atingir momentos anteriores à realização do fato delituoso propriamente dito (punem-se inclusive os atos preparatórios); não visa à proteção de bens jurídicos, mas a estabilidade de expectativas normativas (ordenamento penal sistêmico e meramente formal); o processo é quase sumário, desprovido das garantias fundamentais. Com relação às penas, verifica-se um notável incremento das margens penais e flagrante desproporcionalidade, entre outras características.
CF - Quais são os principais traços na sua aplicação, em contraposição ao Direito Penal do cidadão?
LRP - As manifestações do Direito Penal do inimigo incidem sobre diferentes instâncias do sistema penal. Há dispositivos de natureza material, processual e de execução penal, que enunciam características dessa doutrina, vigentes em Estados Democráticos de Direito. Essa construção relaciona-se com a utilização excessiva da lei penal, que passa a ser a prima ratio e não a ultima ratio, o emprego desmedido de medidas emergenciais simbólicas e negativas, a flexibilização excessiva de princípios penais liberais e supressão de garantias. Prevalece a finalidade de prevenção especial negativa da sanção penal, utilizada para neutralizar ou segregar o indivíduo que, segundo essa concepção, jamais terá condições de oferecer a garantia mínima de satisfação das expectativas normativas. O Direito Penal do inimigo é construído a partir da pessoa do delinqüente e não do fato delituoso, como ocorre com o Direito Penal do cidadão.
CF - Com as garantias processuais suspensas ou revogadas para estes casos, como se chega a entrega jurisdicional?
LRP - Em princípio, a entrega da prestação jurisdicional ocorre da mesma forma.
CF - Muitos estudiosos citam como exemplo prático do Direito Penal do Inimigo o que aconteceu na Alemanha Nazista, o senhor concorda?
LRP - Em que pese essa construção não tenha sido desenvolvida na época da propagação do pensamento nazista, não resta dúvida que a grande maioria das leis penais e processuais elaboradas e aplicadas durante a vigência do regime nazista na Alemanha apresenta traços típicos do Direito Penal do inimigo. As normas penais então em vigor eram de caráter eminentemente segregacionista e autoritário.
CF - Existem hoje países que adotam este sistema?
LRP - Em muitos ordenamentos jurídicos, inclusive de Estados democráticos e liberais, há dispositivos próprios do Direito Penal do inimigo. É importante destacar que essas esferas de regulação - Direito Penal do inimigo e do cidadão - não são neutras ou puras, ou seja, são opostos matizáveis que não compreendem unicamente dispositivos de "guerra", como no caso do primeiro, ou só de "diálogo", como ocorre no segundo. Em outras palavras, dentro dessa esfera de regulação denominada Direito Penal do inimigo pode haver dispositivos identificáveis como próprios do Direito Penal do cidadão e vice-versa.
CF - Podemos dizer que o Direito Penal Militar brasileiro, em tempo de guerra, é nossa forma mais próxima de Direito Penal do Inimigo?
LRP - Não. Em tempo de guerra, o Direito Penal militar constitui-se basicamente de leis excepcionais ou temporárias, aplicáveis àquele momento excepcional por que passa o País e estão diretamente relacionadas a esse fato. O Direito Penal do inimigo, ao contrário, é duradouro, não diz respeito a quaisquer fatos específicos e se centra na pessoa do autor do delito.
CF - Enfim, o senhor consegue enxergar alguma coisa boa na teoria? Qual sua opinião pessoal?
LRP - O Direito Penal compatível com um Estado Democrático de Direito deve ser liberal, democrático e garantista. Logo, uma teoria que se fundamente na separação entre pessoas e não-pessoas, a partir de um conceito meramente normativo, descartando flagrantemente o aspecto ontológico da condição de ser responsável e capaz de se portar conforme ou contra o preceito normativo inerente a todo ser humano, criando, dessa forma, uma "pessoa normativizada", não possui qualquer reflexo positivo. De outro lado, essa discussão não teria relevância em um Estado totalitário, em que o Direito Penal como um todo é voltado para o combate aos "inimigos" do Estado. Todavia, não se pode afirmar que todas as formas de delinqüência devam ser tratadas da mesma forma. O Estado pode utilizar os próprios mecanismos para possibilitar persecução e punição mais eficazes a determinadas formas de criminalidade, sem rechaçar os preceitos lhe fundamentam, por meio do fortalecimento de medidas de prevenção, aparelhamento e modernização de instituições já existentes, dificultar a concessão de certos benefícios processuais e de execução penal com base em requisitos objetivos, sem que isso implique a supressão de tais benefícios, etc.
Jornal Carta Forense, terça-feira, 3 de março de 2009
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domingo, 22 de março de 2009
domingo, 8 de março de 2009
A nova lei 11.719/08 e seus efeitos sobre o rito dos juizados especiais criminais
A nova lei 11.719/08 e seus efeitos sobre o rito dos juizados especiais criminais
Ricardo Sidi
Advogado criminalista e pós-graduado em Direito Penal Empresarial pela PUC/RJ
SIDI, Ricardo. A nova Lei 11.719/08 e seus efeitos sobre o rito dos juizados especiais criminais. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 193, p. 12-13, dez. 2008.
A Lei 11.719/08 trouxe significativas alterações aos ritos ordinário e sumário, sendo a intenção deste artigo demonstrar que, também em relação ao procedimento da Lei 9.099/95, a nova lei trouxe dispositivos relevantes, que merecem atenção da doutrina.
Como se trata de norma recentíssima, ainda não existe, por óbvio, consenso doutrinário ou jurisprudencial acerca de todos os seus efeitos, o que só costuma ocorrer depois de numerosas contribuições acadêmicas.
Na nova redação do artigo 394 do CPP estão definidas as hipóteses em que incidirão os ritos ordinário e sumário(1), constando, em seu § 1º, inciso III, que será aplicado o rito sumaríssimo “para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei”, numa redação que, à primeira vista, parece ter conservado intacto o rito da Lei 9.099/95, que já o intitulava de sumaríssimo.
Ocorre que o § 4º do mesmo artigo 394 dispõe o seguinte:
“§4º . As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.”
Verifica-se claramente que o trecho “todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código” alcança o rito das infrações de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95) no que se refere a processos em trâmite no primeiro grau.
Não obstante ser a Lei 11.719/08 uma norma geral e a Lei 9.099/95 especial, o dispositivo acima citado, da forma como veio redigido, constitui exceção ao princípio Lex posterior generalis non derogat legi priori speciali. Segundo Carlos Maximiliano, o referido princípio pressupõe “não poder o aparecimento da norma ampla causar, só por si, sem mais nada, a queda da autoridade da prescrição especial vigente”(2), o que não ocorre no caso em tela onde as expressões “todos” e “ainda que não regulados neste Código” mostram com clareza o sentido da nova lei.
Interessa à presente análise, portanto, verificar o que dispõem os artigos 395 a 398(3), ou melhor, 395 a 397, já que o 398 está revogado.
A novidade dos ditos artigos, em síntese, foi a introdução da resposta escrita após o recebimento da denúncia (art. 396), com a subseqüente possibilidade de o juiz absolver sumariamente o réu (art. 397), além da menção, no art. 395, de causas de rejeição da denúncia, já previstas anteriormente no agora revogado art. 43 do CPP, e que passam a contar com o acréscimo de hipóteses e expressões como “falta de justa causa” e denúncia “manifestamente inepta”, que, na realidade, já integravam a ordem jurídica, devido a antiga e pacífica posição jurisprudencial e doutrinária.
Frise-se que a criação de uma resposta escrita do réu após o recebimento da denúncia, sucedida de uma oportunidade dada ao magistrado para dar fim à ação penal, representa um excepcional avanço, especialmente porque, antes disso, era inviável, segundo posição majoritária, o “trancamento” ou extinção da ação penal pelo próprio juiz do caso antes da sentença. Ou seja, imperava o entendimento de que, uma vez recebida a denúncia, não podia o magistrado reconsiderar a decisão que iniciou a ação penal, sendo necessária uma ordem de habeas corpus emanada de instância superior(4).
Quanto à existência de efeitos da nova Lei 11.719/08 sobre o procedimento dos Juizados, é possível que parte da doutrina venha a entender que o caput do art. 396 (“nos procedimentos ordinário e sumário...”) teria restringido os institutos da resposta escrita e absolvição sumária exclusivamente aos procedimentos ordinário e sumário, mas, se assim fosse, seria letra morta o § 4º do art. 394, que foi categórico ao estender sua aplicabilidade a “todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código”.
Fosse outro o sentido da recém editada norma, não haveria motivo para que o § 4º do art. 394 fizesse referência às “disposições dos arts. 395 a 398”, já que a resposta escrita e a absolvição sumária ocupam nada menos do que três dos quatro artigos ali mencionados (396, 396-A e 397), lembrando-se que o 398 foi revogado.
Afinal, conforme sustenta Carlos Maximiliano, “precisa ser inteligentemente compreendido e aplicado com alguma cautela o preceito clássico: ‘a disposição geral não revoga a especial’. Pode a regra geral ser concebida de modo que exclua qualquer exceção; ou enumerar taxativamente as únicas exceções que admite; ou, finalmente, criar um sistema completo e diferente do que decorre das normas positivas anteriores: nesses casos o poder eliminatório do preceito geral recente abrange também as disposições especiais antigas”(5).
Maria Helena Diniz sustenta que “a lex posterior apenas será aplicada se o legislador teve o propósito de afastar a anterior”(6), e, pela forma como está redigido o novo art. 394, § 4º do CPP, não se consegue vislumbrar outro propósito.
O detalhe a exigir maior atenção, e que pode ser causa de divergências doutrinárias ou questionamentos quanto à constitucionalidade da Lei 11.719/08, é que o art. 81 da Lei 9.099/95 prevê o recebimento da denúncia em audiência, após manifestação oral do defensor pugnando por sua rejeição:
“Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.”
Se a nova lei prevê, no art. 396, que, “oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias”, verifica-se uma derrogação ao art. 81 da Lei 9.099/95.
Trata-se de derrogação, e não ab-rogação ou revogação, porque o rito dos artigos 396 a 397 do CPP não chega a atingir os atos de instrução e julgamento propriamente ditos, conservando-se intacta a vigência da parte final do art. 81 da Lei 9.099/95, a saber, “... serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença”.
E “a abolição das disposições anteriores se dará nos limites da incompatibilidade” entre a norma nova e a antiga, ou seja, “se em um mesmo trecho existe uma parte conciliável e outra não, continua em vigor a primeira”(7).
Segundo a interpretação aqui exposta, portanto, sofreu modificação o procedimento adotado nos Juizados entre o momento do oferecimento de denúncia e o início efetivo da colheita da prova, ficando suprimida a manifestação oral da defesa antes do recebimento da peça acusatória e o juízo de prelibação exercido na própria audiência.
É que, evidentemente, não se pode simplesmente, “inserir a força” ou “encaixar” o rito previsto nos arts. 395 a 397 no procedimento da Lei 9.099/95 mantendo-o intacto em todas as suas demais etapas processuais, eis que algumas são desarmônicas e inconciliáveis com a nova lei. Nesse sentido, não se poderia manter a manifestação oral da defesa e o subseqüente recebimento ou rejeição da denúncia em audiência, e, ao mesmo tempo, promover a citação para resposta escrita em 10 dias caso restasse recebida a inicial acusatória, sob pena de se desdobrar a audiência do art. 81 da Lei 9.099/95 em duas. Esta opção, portanto, exigiria adicionar ao rito dos Juizados Criminais mais uma audiência, não prevista em nenhuma das duas leis.
Assim, tendo em vista a inconciliabilidade e desarmonia do novo procedimento dos arts. 395 a 397 do CPP com a primeira parte do rito do art. 81 da Lei 9.099/95, é de se concluir que este restou derrogado pela Lei 11.719/08.
A partir de agora, portanto, segundo a interpretação aqui sustentada, o juiz apreciará a denúncia em seu gabinete, de forma mais cautelosa e fundamentada, e seguirá o rito dos artigos 395 a 397 do CPP.
Ao analisar a denúncia, vislumbrando o magistrado alguma das hipóteses do art. 395, rejeita-la-á de plano. Se entender por recebê-la, fará isso em seu gabinete, em data anterior à AIJ, determinando, em seguida, a citação do réu para apresentar resposta escrita em 10 dias (art. 396). Apresentada esta, o juiz verificará se ocorrem as circunstâncias para absolvição sumária (art. 397), após o que ou absolverá o réu, ou designará audiência de instrução, que se iniciará já pelas oitivas, exatamente na ordem prevista na parte final do art. 81 da Lei 9.099/95.
É certo que a instituição da resposta escrita pela Lei 11.719/08, em se tratando de nova oportunidade de manifestação da defesa técnica, é algo em evidente consonância com a garantia constitucional da ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV), bem como com a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), já que se passa a permitir ao juiz da causa fazer cessar imediatamente o constrangimento ilegal em caso de ação penal indevida.
Por outro lado, a dilatação do procedimento dos Juizados com um novo ato, com prazo de 10 dias, e, ainda por cima, escrito e formal, pode ser vista como afronta à exigência constitucional de oralidade e celeridade (art. 98, I, CR: “procedimentos oral e sumaríssimo”).
Ocorre que, analisadas tais mudanças sob o prisma das garantias individuais, verifica-se que a imposição de uma defesa escrita, elaborada por advogado constituído ou defensor nomeado pelo juiz (art. 396-A, § 2º) veio cumprir uma missão extremamente necessária nos Juizados, onde a noção de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, conciliação e transação (art. 2º, Lei 9.099/95) vinha induzindo o indivíduo acusado a não buscar a assistência técnica na fase preliminar, levando-o, muitas vezes, a admitir ônus e restrições em sua liberdade sem a necessária justa causa, num país em que a Constituição Federal “lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado” (STF - HC 82.354/PR - min. Sepúlveda Pertence - DJ 24/9/04)(8).
E, mesmo em relação à efetividade da defesa técnica na própria audiência de instrução e julgamento nos Juizados, onde a presença do defensor do réu já era obrigatória, o dia-a-dia forense demonstra que os jurisdicionados dependentes da Defensoria Pública costumam ter ali, na própria audiência, o seu primeiro contato com o defensor. Agora, com a Lei 11.719/08, a exigência de uma peça de defesa escrita, cuja falta acarretará nulidade absoluta(9), exigirá o encontro prévio entre defensor e acusado, fazendo com que a imprescindível “assistência de advogado” (art. 5º, LXIII, CRFB) seja mais do que um mero simulacro.
Nesse sentido, o raciocínio aqui exposto aponta para a derrogação do art. 81 da Lei 9.099/95 pela Lei 11.719/08, não se vislumbrando inconstitucionalidade nesta, já que a doutrina garantista recomenda que, diante de conflitos entre normas constitucionais (art. 98, I versus art. 5º, LV e LXIII), a balança penda em favor da liberdade e das garantias individuais, porquanto estas últimas ostentam o status constitucional de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV).
Notas
(1) “Art. 394. O procedimento será comum ou especial. § 1º O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei.”
(2) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense: 2006, p. 294.
(3) “Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.” “Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” “Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. §1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. §2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.” “Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente. Art. 398. Revogado.”
(4) STJ, HC 86.903/DF, min. Napoleão Nunes, 5ª T. - j. 28/5/2008, DJ 30/6/2008; STJ, EDecl no REsp. 173.395/PA, min. Fernando Gonçalves, 6ª T - j. 27/6/2000, DJ 2/10/2000; e STF, RHC 51423/PA, min. Aliomar Baleeiro, Pleno, j. 17/10/1973, DJ 2/1/1974.
(5) MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., p. 294.
(6) DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 35.
(7) MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., p. 293.
(8) Este acórdão, que inaugurou uma linha jurisprudencial firme na Suprema Corte acerca do direito do investigado acessar autos de inquérito, deixou claro que, não obstante a não incidência de contraditório e ampla defesa na fase inquisitorial, o investigado é sujeito de direitos, devendo-se lhe assegurar garantias como a assistência de advogado e proteção contra a auto-incriminação (art. 5º, LXIII, CRFB).
(9) Diferentemente da controvérsia acerca do art. 514 do CPP (nulidade relativa ou absoluta), a “resposta escrita” da nova Lei 11.719/08 constitui peça a ser apresentada após o recebimento da denúncia, portanto, quando já em curso a ação penal, momento em que a incidência das garantias de ampla defesa e contraditório é inquestionável.
Ricardo Sidi
Advogado criminalista e pós-graduado em Direito Penal Empresarial pela PUC/RJ
Ricardo Sidi
Advogado criminalista e pós-graduado em Direito Penal Empresarial pela PUC/RJ
SIDI, Ricardo. A nova Lei 11.719/08 e seus efeitos sobre o rito dos juizados especiais criminais. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 193, p. 12-13, dez. 2008.
A Lei 11.719/08 trouxe significativas alterações aos ritos ordinário e sumário, sendo a intenção deste artigo demonstrar que, também em relação ao procedimento da Lei 9.099/95, a nova lei trouxe dispositivos relevantes, que merecem atenção da doutrina.
Como se trata de norma recentíssima, ainda não existe, por óbvio, consenso doutrinário ou jurisprudencial acerca de todos os seus efeitos, o que só costuma ocorrer depois de numerosas contribuições acadêmicas.
Na nova redação do artigo 394 do CPP estão definidas as hipóteses em que incidirão os ritos ordinário e sumário(1), constando, em seu § 1º, inciso III, que será aplicado o rito sumaríssimo “para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei”, numa redação que, à primeira vista, parece ter conservado intacto o rito da Lei 9.099/95, que já o intitulava de sumaríssimo.
Ocorre que o § 4º do mesmo artigo 394 dispõe o seguinte:
“§4º . As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.”
Verifica-se claramente que o trecho “todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código” alcança o rito das infrações de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95) no que se refere a processos em trâmite no primeiro grau.
Não obstante ser a Lei 11.719/08 uma norma geral e a Lei 9.099/95 especial, o dispositivo acima citado, da forma como veio redigido, constitui exceção ao princípio Lex posterior generalis non derogat legi priori speciali. Segundo Carlos Maximiliano, o referido princípio pressupõe “não poder o aparecimento da norma ampla causar, só por si, sem mais nada, a queda da autoridade da prescrição especial vigente”(2), o que não ocorre no caso em tela onde as expressões “todos” e “ainda que não regulados neste Código” mostram com clareza o sentido da nova lei.
Interessa à presente análise, portanto, verificar o que dispõem os artigos 395 a 398(3), ou melhor, 395 a 397, já que o 398 está revogado.
A novidade dos ditos artigos, em síntese, foi a introdução da resposta escrita após o recebimento da denúncia (art. 396), com a subseqüente possibilidade de o juiz absolver sumariamente o réu (art. 397), além da menção, no art. 395, de causas de rejeição da denúncia, já previstas anteriormente no agora revogado art. 43 do CPP, e que passam a contar com o acréscimo de hipóteses e expressões como “falta de justa causa” e denúncia “manifestamente inepta”, que, na realidade, já integravam a ordem jurídica, devido a antiga e pacífica posição jurisprudencial e doutrinária.
Frise-se que a criação de uma resposta escrita do réu após o recebimento da denúncia, sucedida de uma oportunidade dada ao magistrado para dar fim à ação penal, representa um excepcional avanço, especialmente porque, antes disso, era inviável, segundo posição majoritária, o “trancamento” ou extinção da ação penal pelo próprio juiz do caso antes da sentença. Ou seja, imperava o entendimento de que, uma vez recebida a denúncia, não podia o magistrado reconsiderar a decisão que iniciou a ação penal, sendo necessária uma ordem de habeas corpus emanada de instância superior(4).
Quanto à existência de efeitos da nova Lei 11.719/08 sobre o procedimento dos Juizados, é possível que parte da doutrina venha a entender que o caput do art. 396 (“nos procedimentos ordinário e sumário...”) teria restringido os institutos da resposta escrita e absolvição sumária exclusivamente aos procedimentos ordinário e sumário, mas, se assim fosse, seria letra morta o § 4º do art. 394, que foi categórico ao estender sua aplicabilidade a “todos os procedimentos penais de primeiro grau ainda que não regulados neste Código”.
Fosse outro o sentido da recém editada norma, não haveria motivo para que o § 4º do art. 394 fizesse referência às “disposições dos arts. 395 a 398”, já que a resposta escrita e a absolvição sumária ocupam nada menos do que três dos quatro artigos ali mencionados (396, 396-A e 397), lembrando-se que o 398 foi revogado.
Afinal, conforme sustenta Carlos Maximiliano, “precisa ser inteligentemente compreendido e aplicado com alguma cautela o preceito clássico: ‘a disposição geral não revoga a especial’. Pode a regra geral ser concebida de modo que exclua qualquer exceção; ou enumerar taxativamente as únicas exceções que admite; ou, finalmente, criar um sistema completo e diferente do que decorre das normas positivas anteriores: nesses casos o poder eliminatório do preceito geral recente abrange também as disposições especiais antigas”(5).
Maria Helena Diniz sustenta que “a lex posterior apenas será aplicada se o legislador teve o propósito de afastar a anterior”(6), e, pela forma como está redigido o novo art. 394, § 4º do CPP, não se consegue vislumbrar outro propósito.
O detalhe a exigir maior atenção, e que pode ser causa de divergências doutrinárias ou questionamentos quanto à constitucionalidade da Lei 11.719/08, é que o art. 81 da Lei 9.099/95 prevê o recebimento da denúncia em audiência, após manifestação oral do defensor pugnando por sua rejeição:
“Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.”
Se a nova lei prevê, no art. 396, que, “oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias”, verifica-se uma derrogação ao art. 81 da Lei 9.099/95.
Trata-se de derrogação, e não ab-rogação ou revogação, porque o rito dos artigos 396 a 397 do CPP não chega a atingir os atos de instrução e julgamento propriamente ditos, conservando-se intacta a vigência da parte final do art. 81 da Lei 9.099/95, a saber, “... serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença”.
E “a abolição das disposições anteriores se dará nos limites da incompatibilidade” entre a norma nova e a antiga, ou seja, “se em um mesmo trecho existe uma parte conciliável e outra não, continua em vigor a primeira”(7).
Segundo a interpretação aqui exposta, portanto, sofreu modificação o procedimento adotado nos Juizados entre o momento do oferecimento de denúncia e o início efetivo da colheita da prova, ficando suprimida a manifestação oral da defesa antes do recebimento da peça acusatória e o juízo de prelibação exercido na própria audiência.
É que, evidentemente, não se pode simplesmente, “inserir a força” ou “encaixar” o rito previsto nos arts. 395 a 397 no procedimento da Lei 9.099/95 mantendo-o intacto em todas as suas demais etapas processuais, eis que algumas são desarmônicas e inconciliáveis com a nova lei. Nesse sentido, não se poderia manter a manifestação oral da defesa e o subseqüente recebimento ou rejeição da denúncia em audiência, e, ao mesmo tempo, promover a citação para resposta escrita em 10 dias caso restasse recebida a inicial acusatória, sob pena de se desdobrar a audiência do art. 81 da Lei 9.099/95 em duas. Esta opção, portanto, exigiria adicionar ao rito dos Juizados Criminais mais uma audiência, não prevista em nenhuma das duas leis.
Assim, tendo em vista a inconciliabilidade e desarmonia do novo procedimento dos arts. 395 a 397 do CPP com a primeira parte do rito do art. 81 da Lei 9.099/95, é de se concluir que este restou derrogado pela Lei 11.719/08.
A partir de agora, portanto, segundo a interpretação aqui sustentada, o juiz apreciará a denúncia em seu gabinete, de forma mais cautelosa e fundamentada, e seguirá o rito dos artigos 395 a 397 do CPP.
Ao analisar a denúncia, vislumbrando o magistrado alguma das hipóteses do art. 395, rejeita-la-á de plano. Se entender por recebê-la, fará isso em seu gabinete, em data anterior à AIJ, determinando, em seguida, a citação do réu para apresentar resposta escrita em 10 dias (art. 396). Apresentada esta, o juiz verificará se ocorrem as circunstâncias para absolvição sumária (art. 397), após o que ou absolverá o réu, ou designará audiência de instrução, que se iniciará já pelas oitivas, exatamente na ordem prevista na parte final do art. 81 da Lei 9.099/95.
É certo que a instituição da resposta escrita pela Lei 11.719/08, em se tratando de nova oportunidade de manifestação da defesa técnica, é algo em evidente consonância com a garantia constitucional da ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV), bem como com a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), já que se passa a permitir ao juiz da causa fazer cessar imediatamente o constrangimento ilegal em caso de ação penal indevida.
Por outro lado, a dilatação do procedimento dos Juizados com um novo ato, com prazo de 10 dias, e, ainda por cima, escrito e formal, pode ser vista como afronta à exigência constitucional de oralidade e celeridade (art. 98, I, CR: “procedimentos oral e sumaríssimo”).
Ocorre que, analisadas tais mudanças sob o prisma das garantias individuais, verifica-se que a imposição de uma defesa escrita, elaborada por advogado constituído ou defensor nomeado pelo juiz (art. 396-A, § 2º) veio cumprir uma missão extremamente necessária nos Juizados, onde a noção de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, conciliação e transação (art. 2º, Lei 9.099/95) vinha induzindo o indivíduo acusado a não buscar a assistência técnica na fase preliminar, levando-o, muitas vezes, a admitir ônus e restrições em sua liberdade sem a necessária justa causa, num país em que a Constituição Federal “lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado” (STF - HC 82.354/PR - min. Sepúlveda Pertence - DJ 24/9/04)(8).
E, mesmo em relação à efetividade da defesa técnica na própria audiência de instrução e julgamento nos Juizados, onde a presença do defensor do réu já era obrigatória, o dia-a-dia forense demonstra que os jurisdicionados dependentes da Defensoria Pública costumam ter ali, na própria audiência, o seu primeiro contato com o defensor. Agora, com a Lei 11.719/08, a exigência de uma peça de defesa escrita, cuja falta acarretará nulidade absoluta(9), exigirá o encontro prévio entre defensor e acusado, fazendo com que a imprescindível “assistência de advogado” (art. 5º, LXIII, CRFB) seja mais do que um mero simulacro.
Nesse sentido, o raciocínio aqui exposto aponta para a derrogação do art. 81 da Lei 9.099/95 pela Lei 11.719/08, não se vislumbrando inconstitucionalidade nesta, já que a doutrina garantista recomenda que, diante de conflitos entre normas constitucionais (art. 98, I versus art. 5º, LV e LXIII), a balança penda em favor da liberdade e das garantias individuais, porquanto estas últimas ostentam o status constitucional de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV).
Notas
(1) “Art. 394. O procedimento será comum ou especial. § 1º O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei.”
(2) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense: 2006, p. 294.
(3) “Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.” “Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” “Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. §1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. §2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.” “Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente. Art. 398. Revogado.”
(4) STJ, HC 86.903/DF, min. Napoleão Nunes, 5ª T. - j. 28/5/2008, DJ 30/6/2008; STJ, EDecl no REsp. 173.395/PA, min. Fernando Gonçalves, 6ª T - j. 27/6/2000, DJ 2/10/2000; e STF, RHC 51423/PA, min. Aliomar Baleeiro, Pleno, j. 17/10/1973, DJ 2/1/1974.
(5) MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., p. 294.
(6) DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 35.
(7) MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., p. 293.
(8) Este acórdão, que inaugurou uma linha jurisprudencial firme na Suprema Corte acerca do direito do investigado acessar autos de inquérito, deixou claro que, não obstante a não incidência de contraditório e ampla defesa na fase inquisitorial, o investigado é sujeito de direitos, devendo-se lhe assegurar garantias como a assistência de advogado e proteção contra a auto-incriminação (art. 5º, LXIII, CRFB).
(9) Diferentemente da controvérsia acerca do art. 514 do CPP (nulidade relativa ou absoluta), a “resposta escrita” da nova Lei 11.719/08 constitui peça a ser apresentada após o recebimento da denúncia, portanto, quando já em curso a ação penal, momento em que a incidência das garantias de ampla defesa e contraditório é inquestionável.
Ricardo Sidi
Advogado criminalista e pós-graduado em Direito Penal Empresarial pela PUC/RJ
O interesse de agir enquanto condição legitimante da ação penal.
O interesse de agir enquanto condição legitimante da ação penal: sobre a possibilidade do pedido de arquivamento do inquérito policial ou das peças de investigação quando cabível o perdão judicial
Domingos Barroso da Costa
Bacharel em Direito pela UFMG; especialista em Criminologia pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-Minas/Acadepol-MG e em Direito Público, pela Unigranrio/Praetorium; mestrando em Psicologia pela PUC/Minas
COSTA, Domingos Barroso da. O interesse de agir enquanto condição legitimante da ação penal: sobre a possibilidade do pedido de arquivamento do inquérito policial ou das peças de investigação quando cabível o perdão judicial. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 195, p. 13-14, fev. 2009.
1. Introdução: da supremacia das formas à instrumentalidade do processo
Superada a miopia do positivismo jurídico, contemporaneamente se sabe da impossibilidade de dissociar o Direito dos fenômenos que marcam a evolução da sociedade. A lei já não é bastante em si e a justiça não mais se dobra à primazia das formas. Em suma, legalidade e legitimidade são conceitos que não podem ser confundidos, emergindo esta não mais da cega obediência a formalidades, mas da adequação entre a lei — sua criação, interpretação e aplicação — e os valores que fundam e evoluem com determinado corpo social, refletindo os interesses da coletividade que o compõe.
O papel de mera estrutura ordenadora ficou no passado, cabendo hodiernamente ao Direito a condição de ativo instrumento de transformação social. Por um lado, perdem força as formas, tão absolutas enquanto permaneceu a crença numa neutralidade passiva dos que criavam e aplicavam o Direito; por outro, ganha a busca pela justiça e sua mais equânime distribuição.
A emergência de um novo constitucionalismo anunciou o progressivo declínio do positivismo a partir da segunda metade do século passado. Em razão do surgimento de novas demandas sociais, a rigidez das leis e o engessamento de seus intérpretes acabaram suplantados pela regência plástica dos princípios, normas que se mostram capazes de conferir equilíbrio e unicidade ao ordenamento jurídico, por possibilitarem uma aplicação proporcional da lei à realidade concreta, harmonizando o Direito com a evolução e complexidade da sociedade dita pós-moderna. Desabando a estrutura vertical que se apoiava em mera legalidade, a fixidez totalitária da gaiola de ferro(1) de métodos que marcou a Modernidade acabou sendo rompida por transformações drásticas na tecitura social, cujos laços não mais se fundam e sustentam nas autoridades incontestes de outrora. Nessa dinâmica, com o aumento quantitativo e qualitativo das demandas por cidadania e respeito aos direitos fundamentais(2), somente se pode concluir que a contenção das individualidades horizontalmente situadas depende agora de um reconhecimento da legitimidade das normas que lhes são impostas.
Observa-se, pois, que as regras deram lugar aos princípios, num movimento de superação da forma pelo conteúdo, o que bem se evidencia no caráter instrumental que contemporaneamente se confere ao processo.
Assim como o Direito deve servir à realização dos valores da cultura de que irradia, de modo a assegurar seu equilíbrio e manutenção, devem as formas processuais ser instrumento de efetivação dos direitos materiais. Não mais se admite que o conteúdo se perca em razão de vícios formais, do que decorre a atual relativização das causas de nulidade do processo, tão caras aos positivistas.
No que concerne a seus reflexos sobre o direito processual, a evolução narrada produziu efeitos em todas suas vertentes. E, na condição de protagonistas dessa dinâmica de adequação do valor conferido às formas, emergem princípios como o da instrumentalidade e efetividade do processo, neste abrangido o princípio da celeridade, positivado como direito fundamental no art. 5º, LXXVIII, da CF.
Contudo, de se destacar que o presente estudo detém-se na importância da plena aplicação desses princípios ao processo penal, mais especificamente no que concerne ao interesse de agir, enquanto condição legitimante da ação penal. Neste ponto do debate, cabe afirmar que a condição legitimante que se atribui ao interesse de agir deve-se justamente ao fato de em seu âmbito serem analisadas a necessidade e a utilidade do processo, tendo em vista os fins que lhe confere o Direito.
Não há como se aplicar uma pena criminal sem o devido processo, razão pela qual, em sede de interesse de agir, sua necessidade é presumida. Contudo, no âmbito da utilidade, muito ainda há para se discutir, mesmo porque é de sua constatação que se conclui pela legitimidade da submissão de alguém à persecução penal em juízo.
A esse respeito, ensina Eugênio Pacelli:
“No âmbito específico do processo penal [...] desloca-se para o interesse de agir a preocupação com a efetividade do processo, de modo a ser possível afirmar que este, enquanto instrumento da jurisdição, deve apresentar, em juízo prévio e necessariamente anterior, um mínimo de viabilidade de satisfação futura da pretensão que informa o seu conteúdo. É dizer: sob perspectiva de sua efetividade, o processo deve mostrar-se, desde a sua instauração, apto a realizar os diversos escopos da jurisdição, isto é, revelar-se útil. Por isso, fala-se em interesse-utilidade” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, pp. 84/85).
Como cediço, serve o processo penal ao exercício da coerção punitiva pelo Estado (jus puniendi), que detém seu monopólio, tratando-se de verdadeira — e indispensável, como afirmado — garantia do indivíduo contra eventuais abusos por parte do poder público. Sabe-se, ainda, que a forma por excelência do exercício dessa coerção dá-se com a aplicação da pena privativa de liberdade, à qual a doutrina atribui finalidades de prevenção especial e geral, tanto positiva quanto negativa.
Porém, considerando-se o esvaziamento dos objetivos de inclusão que se vinculavam à pena privativa de liberdade — especialmente observado a partir da década de 80 do século passado —, aqui se toma essa sanção penal tão-somente em seu viés retributivo. Conforme bem apontado por Loïc Wacquant, os ideais de reintegração social foram substituídos por uma “nova penalogia”, que mais diz de uma “reciclagem de detritos sociais”(3).
Deve-se considerar, portanto, que a análise do interesse de agir como condição da ação no processo penal passa necessariamente pelo exame, no caso concreto, da necessidade e, principalmente, da utilidade desse instrumento para a aplicação, ao autor do crime, de uma pena que represente efetiva retribuição pela lesão causada à vítima e à sociedade.
2. Sobre a falta de interesse de agir – ou ilegitimidade do processo – nos casos em que cabível o perdão judicial
Expostas as considerações introdutórias, cabe agora tratar da situação específica a cuja abordagem aqui se dedica, qual seja, da possibilidade de o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, nos casos em que verificar cabível o perdão judicial, deixar de oferecer denúncia, requerendo o arquivamento do caderno investigatório por falta de interesse-utilidade.
Nada mais plausível e viável, fundando-se tal possibilidade em argumentos análogos àqueles nos quais se arrima a possibilidade do pedido de arquivamento com base na conclusão acerca de uma futura prescrição a partir da pena ideal. Em ambas as hipóteses — no caso do perdão judicial e da prescrição pela pena ideal —, fica “demonstrada, de plano, a inutilidade da atividade processual correspondente”(4).
Afinal, como claramente define o art. 121, § 5º, do CP, tratando da hipótese de homicídio culposo, o perdão judicial corresponde à possibilidade de o juiz “deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”(5). Ou seja, diz o dispositivo da inutilidade da pena estatal diante de uma conduta cujas consequências, por si só, já representem castigo ou sanção suficiente a seu agente provocador, de gravidade tal que torna até mesmo desnecessária a intervenção punitiva do Estado. E, se inútil a pena, inútil o processo enquanto instrumento que se destina a viabilizar sua aplicação(6).
O que se deve destacar é que aqui se filia à posição de Damásio de Jesus, segundo o qual o perdão judicial não se trata de mera faculdade do juiz, mas, sim, de “Direito Penal público subjetivo de liberdade”(7). Nessa esteira, pode-se concluir que assiste ao promotor de justiça, enquanto titular da ação penal, a possibilidade de requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças informativas em constatando que as circunstâncias que animam o caso concreto se subsumem àquelas em que se permite o perdão judicial, com base na ausência de interesse-utilidade de agir. Não concordando o juiz, poderá se socorrer do previsto na última parte do art. 28 do CPP e, assim, remeter o inquérito ou as peças de investigação ao procurador-geral de Justiça, que “oferecerá a denúncia, designará outro órgão para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.
Entendimentos contrários ao acima exposto terminam por afrontar princípios processuais como, dentre outros, o da instrumentalidade e da efetividade. De certa forma, pode-se concluir que processos deflagrados em condições ensejadoras do perdão judicial — ou seja, em que não há interesse de agir devido à inutilidade do processo — são natimortos. Por essa razão, acabam determinando gastos desnecessários para o Estado e maior sobrecarga da justiça penal, já tão criticada em razão de um alardeado acúmulo de processos. Ante tal consideração, pode-se, em última instância, afirmar que a tese ora desenvolvida contribui reflexamente para a efetiva realização do disposto e programado no art. 5º, LXXVIII, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
3. Considerações finais
A crise de legitimidade atravessada pelo sistema penal reclama intervenções certas por parte dos operadores do Direito no sentido de adequar o funcionamento dessa estrutura aos princípios constitucionais e interesse público. Conforme exposto, o legalismo de formalidades absolutas já não condiciona a atuação de advogados, promotores ou juízes, aos quais hoje cabe a função maior de amoldar a lei aos ideais constitucionais e à dinâmica social, sempre visando à efetivação da justiça. O pós-positivismo deu vida à lei morta que caracterizava o positivismo jurídico, animando o Direito com um espírito transformador.
“Essa transformação da ciência jurídica, ao dar ao jurista uma tarefa de construção — e não mais de simples revelação —, confere-lhe maior dignidade e responsabilidade, já que dele se espera uma atividade essencial para dar efetividade aos planos da Constituição, ou seja, aos projetos do Estado e às aspirações da sociedade” (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Volume 1: Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 46).
Se tudo é proibido, nada é proibido, motivo pelo qual o excesso de leis incriminadoras explícito ao ponto de revelar a ineficácia do sistema penal brasileiro exige uma postura crítica dos juristas, que são responsáveis pelo resgate de sua legitimidade, logo, de sua credibilidade(8). Seja pelas vias processuais, seja através da aplicação de princípios próprios ao direito material, deve-se lutar pela mínima intervenção penal, a cujos drásticos efeitos somente devam ser submetidos casos que representem violação a interesses essenciais à vida em sociedade, considerada sua condição de ultima ratio. E, dentre esses, certamente não se inclui o caso dos agentes de cujas condutas decorrem efeitos tão danosos a si próprios a ponto de tornar inútil a punição estatal(9).
Nesses moldes, retomando o fio processual da questão inicialmente proposta, fecha-se o estudo com o devido destaque à importância da apuração da utilidade do processo enquanto condicionante da legitimidade da persecutio criminis in judicio. Um processo que não é meio eficaz ao alcance dos objetivos que o justificam é inútil e, por conseguinte, jamais será legítimo. Contemporaneamente pode-se afirmar, portanto, que o interesse de agir é verdadeira condição constitucionalizante da ação penal, vez que manifesta o caráter instrumental do processo na conformação do Direito aos ideais constitucionais e à dinâmica social. Harmoniza, assim, a mútua interferência entre essas inseparáveis instâncias, caracterizando-se como uma das formas essenciais à garantia de uma sintonia entre o Direito e o compasso de evolução da sociedade.
Notas
(1) Expressão cunhada por Max Weber.
(2) YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente: Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
(3) WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
(4) OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 85.
(5) Não se cuida aqui, como se pode verificar, da forma de perdão judicial de que trata a Lei nº 9807/99, em seu art. 13.
(6) DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008.
(7) JESUS, Damásio E. de apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 6ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 774. Por esse mesmo fundamento, ainda com Damásio, acompanhado por Luiz Flávio Gomes, Maurício Antônio Ribeiro Lopes e Rogério Greco (GRECO, ob. cit., p. 774), também se entende pela extensão das hipóteses em que cabível o perdão judicial a práticas que se enquadrem nos arts. 302 e 303 do CTB. Aliás, transferindo-se a abordagem da questão para o âmbito das condições da ação — portanto, para a atuação ministerial —, torna-se até mesmo desnecessária tal colocação, pois, sob tal enfoque, dispensável seria uma expressa autorização legal para cada caso em que possível a aplicação do perdão, bastando a previsão da possibilidade de se deixar de aplicar a pena em razão de sua inutilidade, para o que bastam os moldes dispostos no art. 121, § 5º, do CP.
(8) Há quem cogite que o Brasil já tenha superado a marca de 5.000 condutas tipificadas.
(9) ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A Perda da Legitimidade do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
Domingos Barroso da Costa
Bacharel em Direito pela UFMG; especialista em Criminologia pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-Minas/Acadepol-MG e em Direito Público, pela Unigranrio/Praetorium; mestrando em Psicologia pela PUC/Minas
Domingos Barroso da Costa
Bacharel em Direito pela UFMG; especialista em Criminologia pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-Minas/Acadepol-MG e em Direito Público, pela Unigranrio/Praetorium; mestrando em Psicologia pela PUC/Minas
COSTA, Domingos Barroso da. O interesse de agir enquanto condição legitimante da ação penal: sobre a possibilidade do pedido de arquivamento do inquérito policial ou das peças de investigação quando cabível o perdão judicial. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 195, p. 13-14, fev. 2009.
1. Introdução: da supremacia das formas à instrumentalidade do processo
Superada a miopia do positivismo jurídico, contemporaneamente se sabe da impossibilidade de dissociar o Direito dos fenômenos que marcam a evolução da sociedade. A lei já não é bastante em si e a justiça não mais se dobra à primazia das formas. Em suma, legalidade e legitimidade são conceitos que não podem ser confundidos, emergindo esta não mais da cega obediência a formalidades, mas da adequação entre a lei — sua criação, interpretação e aplicação — e os valores que fundam e evoluem com determinado corpo social, refletindo os interesses da coletividade que o compõe.
O papel de mera estrutura ordenadora ficou no passado, cabendo hodiernamente ao Direito a condição de ativo instrumento de transformação social. Por um lado, perdem força as formas, tão absolutas enquanto permaneceu a crença numa neutralidade passiva dos que criavam e aplicavam o Direito; por outro, ganha a busca pela justiça e sua mais equânime distribuição.
A emergência de um novo constitucionalismo anunciou o progressivo declínio do positivismo a partir da segunda metade do século passado. Em razão do surgimento de novas demandas sociais, a rigidez das leis e o engessamento de seus intérpretes acabaram suplantados pela regência plástica dos princípios, normas que se mostram capazes de conferir equilíbrio e unicidade ao ordenamento jurídico, por possibilitarem uma aplicação proporcional da lei à realidade concreta, harmonizando o Direito com a evolução e complexidade da sociedade dita pós-moderna. Desabando a estrutura vertical que se apoiava em mera legalidade, a fixidez totalitária da gaiola de ferro(1) de métodos que marcou a Modernidade acabou sendo rompida por transformações drásticas na tecitura social, cujos laços não mais se fundam e sustentam nas autoridades incontestes de outrora. Nessa dinâmica, com o aumento quantitativo e qualitativo das demandas por cidadania e respeito aos direitos fundamentais(2), somente se pode concluir que a contenção das individualidades horizontalmente situadas depende agora de um reconhecimento da legitimidade das normas que lhes são impostas.
Observa-se, pois, que as regras deram lugar aos princípios, num movimento de superação da forma pelo conteúdo, o que bem se evidencia no caráter instrumental que contemporaneamente se confere ao processo.
Assim como o Direito deve servir à realização dos valores da cultura de que irradia, de modo a assegurar seu equilíbrio e manutenção, devem as formas processuais ser instrumento de efetivação dos direitos materiais. Não mais se admite que o conteúdo se perca em razão de vícios formais, do que decorre a atual relativização das causas de nulidade do processo, tão caras aos positivistas.
No que concerne a seus reflexos sobre o direito processual, a evolução narrada produziu efeitos em todas suas vertentes. E, na condição de protagonistas dessa dinâmica de adequação do valor conferido às formas, emergem princípios como o da instrumentalidade e efetividade do processo, neste abrangido o princípio da celeridade, positivado como direito fundamental no art. 5º, LXXVIII, da CF.
Contudo, de se destacar que o presente estudo detém-se na importância da plena aplicação desses princípios ao processo penal, mais especificamente no que concerne ao interesse de agir, enquanto condição legitimante da ação penal. Neste ponto do debate, cabe afirmar que a condição legitimante que se atribui ao interesse de agir deve-se justamente ao fato de em seu âmbito serem analisadas a necessidade e a utilidade do processo, tendo em vista os fins que lhe confere o Direito.
Não há como se aplicar uma pena criminal sem o devido processo, razão pela qual, em sede de interesse de agir, sua necessidade é presumida. Contudo, no âmbito da utilidade, muito ainda há para se discutir, mesmo porque é de sua constatação que se conclui pela legitimidade da submissão de alguém à persecução penal em juízo.
A esse respeito, ensina Eugênio Pacelli:
“No âmbito específico do processo penal [...] desloca-se para o interesse de agir a preocupação com a efetividade do processo, de modo a ser possível afirmar que este, enquanto instrumento da jurisdição, deve apresentar, em juízo prévio e necessariamente anterior, um mínimo de viabilidade de satisfação futura da pretensão que informa o seu conteúdo. É dizer: sob perspectiva de sua efetividade, o processo deve mostrar-se, desde a sua instauração, apto a realizar os diversos escopos da jurisdição, isto é, revelar-se útil. Por isso, fala-se em interesse-utilidade” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, pp. 84/85).
Como cediço, serve o processo penal ao exercício da coerção punitiva pelo Estado (jus puniendi), que detém seu monopólio, tratando-se de verdadeira — e indispensável, como afirmado — garantia do indivíduo contra eventuais abusos por parte do poder público. Sabe-se, ainda, que a forma por excelência do exercício dessa coerção dá-se com a aplicação da pena privativa de liberdade, à qual a doutrina atribui finalidades de prevenção especial e geral, tanto positiva quanto negativa.
Porém, considerando-se o esvaziamento dos objetivos de inclusão que se vinculavam à pena privativa de liberdade — especialmente observado a partir da década de 80 do século passado —, aqui se toma essa sanção penal tão-somente em seu viés retributivo. Conforme bem apontado por Loïc Wacquant, os ideais de reintegração social foram substituídos por uma “nova penalogia”, que mais diz de uma “reciclagem de detritos sociais”(3).
Deve-se considerar, portanto, que a análise do interesse de agir como condição da ação no processo penal passa necessariamente pelo exame, no caso concreto, da necessidade e, principalmente, da utilidade desse instrumento para a aplicação, ao autor do crime, de uma pena que represente efetiva retribuição pela lesão causada à vítima e à sociedade.
2. Sobre a falta de interesse de agir – ou ilegitimidade do processo – nos casos em que cabível o perdão judicial
Expostas as considerações introdutórias, cabe agora tratar da situação específica a cuja abordagem aqui se dedica, qual seja, da possibilidade de o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, nos casos em que verificar cabível o perdão judicial, deixar de oferecer denúncia, requerendo o arquivamento do caderno investigatório por falta de interesse-utilidade.
Nada mais plausível e viável, fundando-se tal possibilidade em argumentos análogos àqueles nos quais se arrima a possibilidade do pedido de arquivamento com base na conclusão acerca de uma futura prescrição a partir da pena ideal. Em ambas as hipóteses — no caso do perdão judicial e da prescrição pela pena ideal —, fica “demonstrada, de plano, a inutilidade da atividade processual correspondente”(4).
Afinal, como claramente define o art. 121, § 5º, do CP, tratando da hipótese de homicídio culposo, o perdão judicial corresponde à possibilidade de o juiz “deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”(5). Ou seja, diz o dispositivo da inutilidade da pena estatal diante de uma conduta cujas consequências, por si só, já representem castigo ou sanção suficiente a seu agente provocador, de gravidade tal que torna até mesmo desnecessária a intervenção punitiva do Estado. E, se inútil a pena, inútil o processo enquanto instrumento que se destina a viabilizar sua aplicação(6).
O que se deve destacar é que aqui se filia à posição de Damásio de Jesus, segundo o qual o perdão judicial não se trata de mera faculdade do juiz, mas, sim, de “Direito Penal público subjetivo de liberdade”(7). Nessa esteira, pode-se concluir que assiste ao promotor de justiça, enquanto titular da ação penal, a possibilidade de requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças informativas em constatando que as circunstâncias que animam o caso concreto se subsumem àquelas em que se permite o perdão judicial, com base na ausência de interesse-utilidade de agir. Não concordando o juiz, poderá se socorrer do previsto na última parte do art. 28 do CPP e, assim, remeter o inquérito ou as peças de investigação ao procurador-geral de Justiça, que “oferecerá a denúncia, designará outro órgão para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.
Entendimentos contrários ao acima exposto terminam por afrontar princípios processuais como, dentre outros, o da instrumentalidade e da efetividade. De certa forma, pode-se concluir que processos deflagrados em condições ensejadoras do perdão judicial — ou seja, em que não há interesse de agir devido à inutilidade do processo — são natimortos. Por essa razão, acabam determinando gastos desnecessários para o Estado e maior sobrecarga da justiça penal, já tão criticada em razão de um alardeado acúmulo de processos. Ante tal consideração, pode-se, em última instância, afirmar que a tese ora desenvolvida contribui reflexamente para a efetiva realização do disposto e programado no art. 5º, LXXVIII, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
3. Considerações finais
A crise de legitimidade atravessada pelo sistema penal reclama intervenções certas por parte dos operadores do Direito no sentido de adequar o funcionamento dessa estrutura aos princípios constitucionais e interesse público. Conforme exposto, o legalismo de formalidades absolutas já não condiciona a atuação de advogados, promotores ou juízes, aos quais hoje cabe a função maior de amoldar a lei aos ideais constitucionais e à dinâmica social, sempre visando à efetivação da justiça. O pós-positivismo deu vida à lei morta que caracterizava o positivismo jurídico, animando o Direito com um espírito transformador.
“Essa transformação da ciência jurídica, ao dar ao jurista uma tarefa de construção — e não mais de simples revelação —, confere-lhe maior dignidade e responsabilidade, já que dele se espera uma atividade essencial para dar efetividade aos planos da Constituição, ou seja, aos projetos do Estado e às aspirações da sociedade” (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Volume 1: Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006, p. 46).
Se tudo é proibido, nada é proibido, motivo pelo qual o excesso de leis incriminadoras explícito ao ponto de revelar a ineficácia do sistema penal brasileiro exige uma postura crítica dos juristas, que são responsáveis pelo resgate de sua legitimidade, logo, de sua credibilidade(8). Seja pelas vias processuais, seja através da aplicação de princípios próprios ao direito material, deve-se lutar pela mínima intervenção penal, a cujos drásticos efeitos somente devam ser submetidos casos que representem violação a interesses essenciais à vida em sociedade, considerada sua condição de ultima ratio. E, dentre esses, certamente não se inclui o caso dos agentes de cujas condutas decorrem efeitos tão danosos a si próprios a ponto de tornar inútil a punição estatal(9).
Nesses moldes, retomando o fio processual da questão inicialmente proposta, fecha-se o estudo com o devido destaque à importância da apuração da utilidade do processo enquanto condicionante da legitimidade da persecutio criminis in judicio. Um processo que não é meio eficaz ao alcance dos objetivos que o justificam é inútil e, por conseguinte, jamais será legítimo. Contemporaneamente pode-se afirmar, portanto, que o interesse de agir é verdadeira condição constitucionalizante da ação penal, vez que manifesta o caráter instrumental do processo na conformação do Direito aos ideais constitucionais e à dinâmica social. Harmoniza, assim, a mútua interferência entre essas inseparáveis instâncias, caracterizando-se como uma das formas essenciais à garantia de uma sintonia entre o Direito e o compasso de evolução da sociedade.
Notas
(1) Expressão cunhada por Max Weber.
(2) YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente: Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
(3) WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
(4) OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 85.
(5) Não se cuida aqui, como se pode verificar, da forma de perdão judicial de que trata a Lei nº 9807/99, em seu art. 13.
(6) DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008.
(7) JESUS, Damásio E. de apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 6ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 774. Por esse mesmo fundamento, ainda com Damásio, acompanhado por Luiz Flávio Gomes, Maurício Antônio Ribeiro Lopes e Rogério Greco (GRECO, ob. cit., p. 774), também se entende pela extensão das hipóteses em que cabível o perdão judicial a práticas que se enquadrem nos arts. 302 e 303 do CTB. Aliás, transferindo-se a abordagem da questão para o âmbito das condições da ação — portanto, para a atuação ministerial —, torna-se até mesmo desnecessária tal colocação, pois, sob tal enfoque, dispensável seria uma expressa autorização legal para cada caso em que possível a aplicação do perdão, bastando a previsão da possibilidade de se deixar de aplicar a pena em razão de sua inutilidade, para o que bastam os moldes dispostos no art. 121, § 5º, do CP.
(8) Há quem cogite que o Brasil já tenha superado a marca de 5.000 condutas tipificadas.
(9) ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: A Perda da Legitimidade do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
Domingos Barroso da Costa
Bacharel em Direito pela UFMG; especialista em Criminologia pelo Instituto de Educação Continuada da PUC-Minas/Acadepol-MG e em Direito Público, pela Unigranrio/Praetorium; mestrando em Psicologia pela PUC/Minas
Cláusula inadmissível no indulto natalino.
Cláusula inadmissível no indulto natalino
Alberto Silva Franco
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo
FRANCO, Alberto Silva. Cláusula inadmissível no indulto natalino. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 195, p. 3, fev. 2009.
O § 4º do art. 33 da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, autoriza a aplicação de causa redutora de pena, variável entre um sexto e dois terços, quer em relação à pena privativa de liberdade, quer no tocante à pena pecuniária, aos infratores do caput e do § 1º do art. 33 do diploma legal já referido, desde que o agente, primário e de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização criminosa. Reunidos os requisitos especificados, não há como fugir à diminuição punitiva, que se traduz, então, num verdadeiro direito do próprio acusado. O texto legal não exclui, em momento algum, da menor incidência punitiva, o agente que tenha atuado como traficante. Sob esse ângulo, a direta remissão ao caput e ao § 1º do art. 33 da Lei 11.343/2006 significa a confirmação de que se revela absolutamente indiferente, para a causa de diminuição de pena, a categorização do réu como traficante ou não. Um e outro são, em verdade, destinatários do § 4º do art. 33.
Ora, em destoante conflito com esse entendimento, o Decreto n. 6.706, de 22 de dezembro de 2008, publicado no DOU do dia imediato, contém regra — inexistente, por sinal, no projeto de decreto formulado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) — que exige, no caso do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 que o condenado penalmente favorecido só poderá ser indultado se ficar demonstrada sua condição de não-traficante. Trata-se de cláusula que extravasa os poderes constitucionais do Presidente da República.
Antes de tudo porque o inciso XII do art. 84 da Constituição Federal, ao atribuir ao Presidente da República a competência para conceder o indulto ou a comutação de penas, não lhe outorgou, ao mesmo tempo, o poder de alargar ou de restringir, por via direta ou reflexa, tipologias penais. Destarte, a alteração de texto penal, por ato do Poder Executivo, retrata uma insuportável ofensa à estrita legalidade penal. No caso em exame, a incidência da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 não estava subordinada à prévia rotulação do agente como traficante ou não. Os requisitos exigíveis eram outros e, com fundamento neles, a autoridade judiciária poderia ou não efetuar a diminuição punitiva. Não tem, portanto, pertinência negar-se, agora, o indulto ou a comutação de pena, sob o argumento de que a conduta típica do condenado configurava a prática da mercancia.
Depois porque, muito embora possam ser excluídos do decreto de indulto ou de comutação determinados tipos penais, força é convir que esse decreto não pode trazer distinções no interior de uma só e mesma figura criminosa. No Decreto 6.706/2008, os benefícios penais não alcançaram expressamente os crimes hediondos e assemelhados, mas, nessa última categoria, se abriu uma exceção, em relação ao crime do tráfico ilícito de droga, para efeito de admissão do indulto ou da comutação, nas hipóteses dos §§ 2º a 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. No caso em tela, interessa apenas a hipótese do § 4º porque exclusivamente a ela foi aderida a cláusula desde que a conduta típica não tenha configurado a prática da mercancia. Assim, abriu-se uma nova exceção no raio circunscrito de outra exceção. E esta segunda exceção objetiva separar, de forma nítida, as figuras do traficante e do não-traficante, distinção que não se incluía entre os objetivos do legislador penal na formulação do referido o § 4º. O Decreto 6.706/2008 afronta, portanto, a regra da isonomia na medida em que, para a concessão do indulto ou da comutação de penas, desiguala situações fáticas que o legislador penal não teve a preocupação de distinguir.
Além disso, é inquestionável a incidência do indulto ou da comutação na fase de execução da pena e não teria cabimento, nessa fase, a reabertura do juízo de conhecimento para efeito de verificar se o agente praticara ou não atos comprovadores de tráfico ilícito de drogas. Para aferir-se a realização de tais atos, seria mister analisar os dados probatórios, o que significaria uma total subversão do processo penal, a dano do justo processo legal. Assim, se o condenado obteve a causa redutora de pena, com base no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, não terá nenhum sentido, para efeito de concessão do indulto ou da comutação que o juiz da execução penal investigue a conduta típica do condenado para verificar se pôs em prática, ou não, atos próprios do tráfico de drogas.
Em resumo, por qualquer ângulo que se enfoque a questão, a esdrúxula cláusula desde que a conduta típica não tenha configurado a prática de mercancia é de todo inadmissível, não comportando atendimento na execução penal, por significar lesão aberta a princípios constitucionais. Destarte, nenhuma restrição, por parte do juízo da execução penal, pode ser admitida em relação a condenados favorecidos pela causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006.
Alberto Silva Franco
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo
Alberto Silva Franco
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo
FRANCO, Alberto Silva. Cláusula inadmissível no indulto natalino. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 195, p. 3, fev. 2009.
O § 4º do art. 33 da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, autoriza a aplicação de causa redutora de pena, variável entre um sexto e dois terços, quer em relação à pena privativa de liberdade, quer no tocante à pena pecuniária, aos infratores do caput e do § 1º do art. 33 do diploma legal já referido, desde que o agente, primário e de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização criminosa. Reunidos os requisitos especificados, não há como fugir à diminuição punitiva, que se traduz, então, num verdadeiro direito do próprio acusado. O texto legal não exclui, em momento algum, da menor incidência punitiva, o agente que tenha atuado como traficante. Sob esse ângulo, a direta remissão ao caput e ao § 1º do art. 33 da Lei 11.343/2006 significa a confirmação de que se revela absolutamente indiferente, para a causa de diminuição de pena, a categorização do réu como traficante ou não. Um e outro são, em verdade, destinatários do § 4º do art. 33.
Ora, em destoante conflito com esse entendimento, o Decreto n. 6.706, de 22 de dezembro de 2008, publicado no DOU do dia imediato, contém regra — inexistente, por sinal, no projeto de decreto formulado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) — que exige, no caso do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 que o condenado penalmente favorecido só poderá ser indultado se ficar demonstrada sua condição de não-traficante. Trata-se de cláusula que extravasa os poderes constitucionais do Presidente da República.
Antes de tudo porque o inciso XII do art. 84 da Constituição Federal, ao atribuir ao Presidente da República a competência para conceder o indulto ou a comutação de penas, não lhe outorgou, ao mesmo tempo, o poder de alargar ou de restringir, por via direta ou reflexa, tipologias penais. Destarte, a alteração de texto penal, por ato do Poder Executivo, retrata uma insuportável ofensa à estrita legalidade penal. No caso em exame, a incidência da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 não estava subordinada à prévia rotulação do agente como traficante ou não. Os requisitos exigíveis eram outros e, com fundamento neles, a autoridade judiciária poderia ou não efetuar a diminuição punitiva. Não tem, portanto, pertinência negar-se, agora, o indulto ou a comutação de pena, sob o argumento de que a conduta típica do condenado configurava a prática da mercancia.
Depois porque, muito embora possam ser excluídos do decreto de indulto ou de comutação determinados tipos penais, força é convir que esse decreto não pode trazer distinções no interior de uma só e mesma figura criminosa. No Decreto 6.706/2008, os benefícios penais não alcançaram expressamente os crimes hediondos e assemelhados, mas, nessa última categoria, se abriu uma exceção, em relação ao crime do tráfico ilícito de droga, para efeito de admissão do indulto ou da comutação, nas hipóteses dos §§ 2º a 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. No caso em tela, interessa apenas a hipótese do § 4º porque exclusivamente a ela foi aderida a cláusula desde que a conduta típica não tenha configurado a prática da mercancia. Assim, abriu-se uma nova exceção no raio circunscrito de outra exceção. E esta segunda exceção objetiva separar, de forma nítida, as figuras do traficante e do não-traficante, distinção que não se incluía entre os objetivos do legislador penal na formulação do referido o § 4º. O Decreto 6.706/2008 afronta, portanto, a regra da isonomia na medida em que, para a concessão do indulto ou da comutação de penas, desiguala situações fáticas que o legislador penal não teve a preocupação de distinguir.
Além disso, é inquestionável a incidência do indulto ou da comutação na fase de execução da pena e não teria cabimento, nessa fase, a reabertura do juízo de conhecimento para efeito de verificar se o agente praticara ou não atos comprovadores de tráfico ilícito de drogas. Para aferir-se a realização de tais atos, seria mister analisar os dados probatórios, o que significaria uma total subversão do processo penal, a dano do justo processo legal. Assim, se o condenado obteve a causa redutora de pena, com base no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, não terá nenhum sentido, para efeito de concessão do indulto ou da comutação que o juiz da execução penal investigue a conduta típica do condenado para verificar se pôs em prática, ou não, atos próprios do tráfico de drogas.
Em resumo, por qualquer ângulo que se enfoque a questão, a esdrúxula cláusula desde que a conduta típica não tenha configurado a prática de mercancia é de todo inadmissível, não comportando atendimento na execução penal, por significar lesão aberta a princípios constitucionais. Destarte, nenhuma restrição, por parte do juízo da execução penal, pode ser admitida em relação a condenados favorecidos pela causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006.
Alberto Silva Franco
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
Falta de estrutura transforma Maria da Penha em "faz-de-conta".
Falta de estrutura transforma Maria da Penha em "faz-de-conta", alerta Juíza
Com a atual estrutura existente em Porto Alegre, agressores e vítimas não recebem atendimento e tratamento adequado e um grande número de infrações penais acaba prescrevendo, fazendo com que a Lei Maria da Penha seja um “faz-de-conta”, pois na sistemática atual cada instituição “faz o seu papel”, mas pouco ou nada muda na prática. Essa é a avaliação da Juíza Osnilda Pisa, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
Para sanar esse problema, a magistrada defende a criação de um Centro Integrado de Atendimento com psicólogos, assistentes sociais e defensores públicos para a triagem das situações com os encaminhamentos necessários de cada caso. Afirma que é preciso diferenciar os casos de saúde pública, de família e os de polícia, e considera que o ingresso de toda essa demanda via Delegacia de Polícia inviabiliza o objetivo da própria Lei Maria da Penha.
Mau uso da Lei
A magistrada relata que muitas mulheres procuram o Juizado não por terem sido vítimas de violência, mas em busca de benefícios financeiros através das medidas protetivas, especialmente a que afasta o denunciado do lar. Desejam a separação, mas não querem realizar a separação de bens e acabam frustradas quando têm seu pedido negado. Algumas também utilizam a medida como uma forma de chantagear o companheiro, com fins que vão desde reatar o relacionamento a conseguir benefícios diversos.
A Juíza Osnilda Pisa destaca que casos como esses revelam a concepção errada que muitas pessoas têm sobre a Lei. Salienta que a determinação de afastamento do suposto agressor do lar é uma medida excepcional, visando unicamente preservar a integridade física e psicológica da vítima. Nos casos em que é concedida medida protetiva de proibição de determinadas condutas, como aproximação ou manter contato por telefone, tem sido adotada a reciprocidade da medida, ficando também a mulher proibida de praticar conduta idêntica.
Centro Integrado de Atendimento
A magistrada conta que a maioria das mulheres ao procurar a delegacia especializada para registrar ocorrência – que posteriormente vai ser encaminhada ao Juizado – está abalada emocionalmente. Ressalta que as policiais, apesar da dedicação, não estão habilitadas para acolher, acalmar e orientar as vítimas, encaminhando os casos adequadamente, até porque não é essa a função da polícia.
Aponta que muitas desejam apenas a separação, ou internação para filhos ou marido dependentes de drogas ou com problemas de alcoolismo ou psíquicos, situações que não precisam de registro de ocorrência policial. Com a disponibilização de Centro Integrado que proporcionasse auxílio de psicólogos, Assistentes Sociais e Defensores Públicos e fizesse a triagem dos casos - antes do registro de ocorrência junto à Polícia –, as vítimas desde logo receberiam orientação e os encaminhamentos para a efetiva solução do problema que não precisam da intervenção policial. Isso evitaria sobrecarga do serviço policial e permitiria o adequado atendimento das situações que efetivamente demandam intervenção policial e da Justiça Criminal, no caso do Juizado de Violência Doméstica.
Atualmente tramitam cinco mil ações e são realizadas em média 24 audiências por dia. A Juíza Osnilda Pisa afirma que se fossem recebidas apenas as situações que efetivamente competem ao Juizado da Violência Doméstica, seria possível soluções mais céleres.
Outro efeito do grande volume de ocorrências, segundo a magistrada, é a dificuldade de a Delegacia realizar uma investigação aprofundada e enviar os inquéritos dentro do prazo de 30 dias. Parte dos inquéritos policiais chega ao Juizado transcorridos dois anos da data do fato, prazo prescricional da maioria dos crimes e contravenções que envolvem os casos de violência doméstica.
Falta de leitos para tratamento
A Juíza ressalta que muitos casos não são “de polícia”, mas de tratamento por dependência de drogas, especialmente de álcool ou crack, e de transtornos psiquiátricos. No entanto, a rede de saúde não possui estrutura para atendimento e leitos para internação.
Grande parte dos usuários de drogas é enviada ao posto de saúde PAM-3, na Vila Cruzeiro, para serem diagnosticados e internados. No entanto, acabam recendo alta após 24 ou 48 horas, devido à escassez de vagas. Como alternativa, a magistrada tem enviado os presos em flagrante – que descumpriram medida - para o Instituto Psiquiátrico Forense, local que, no entanto, não realiza a desintoxicação com o uso de medicamentos.
Diante disso, ressalta a magistrada, “resta o encaminhamento aos grupos de auto-ajuda, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos e Amor-Exigente, que muito têm ajudado a prevenir a reiteração da violência. No entanto, em muitos casos, sem a prévia desintoxicação ou o tratamento de doenças comórbidas, como depressão, o grupo é insuficiente”.
Fonte: TJRS
Com a atual estrutura existente em Porto Alegre, agressores e vítimas não recebem atendimento e tratamento adequado e um grande número de infrações penais acaba prescrevendo, fazendo com que a Lei Maria da Penha seja um “faz-de-conta”, pois na sistemática atual cada instituição “faz o seu papel”, mas pouco ou nada muda na prática. Essa é a avaliação da Juíza Osnilda Pisa, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
Para sanar esse problema, a magistrada defende a criação de um Centro Integrado de Atendimento com psicólogos, assistentes sociais e defensores públicos para a triagem das situações com os encaminhamentos necessários de cada caso. Afirma que é preciso diferenciar os casos de saúde pública, de família e os de polícia, e considera que o ingresso de toda essa demanda via Delegacia de Polícia inviabiliza o objetivo da própria Lei Maria da Penha.
Mau uso da Lei
A magistrada relata que muitas mulheres procuram o Juizado não por terem sido vítimas de violência, mas em busca de benefícios financeiros através das medidas protetivas, especialmente a que afasta o denunciado do lar. Desejam a separação, mas não querem realizar a separação de bens e acabam frustradas quando têm seu pedido negado. Algumas também utilizam a medida como uma forma de chantagear o companheiro, com fins que vão desde reatar o relacionamento a conseguir benefícios diversos.
A Juíza Osnilda Pisa destaca que casos como esses revelam a concepção errada que muitas pessoas têm sobre a Lei. Salienta que a determinação de afastamento do suposto agressor do lar é uma medida excepcional, visando unicamente preservar a integridade física e psicológica da vítima. Nos casos em que é concedida medida protetiva de proibição de determinadas condutas, como aproximação ou manter contato por telefone, tem sido adotada a reciprocidade da medida, ficando também a mulher proibida de praticar conduta idêntica.
Centro Integrado de Atendimento
A magistrada conta que a maioria das mulheres ao procurar a delegacia especializada para registrar ocorrência – que posteriormente vai ser encaminhada ao Juizado – está abalada emocionalmente. Ressalta que as policiais, apesar da dedicação, não estão habilitadas para acolher, acalmar e orientar as vítimas, encaminhando os casos adequadamente, até porque não é essa a função da polícia.
Aponta que muitas desejam apenas a separação, ou internação para filhos ou marido dependentes de drogas ou com problemas de alcoolismo ou psíquicos, situações que não precisam de registro de ocorrência policial. Com a disponibilização de Centro Integrado que proporcionasse auxílio de psicólogos, Assistentes Sociais e Defensores Públicos e fizesse a triagem dos casos - antes do registro de ocorrência junto à Polícia –, as vítimas desde logo receberiam orientação e os encaminhamentos para a efetiva solução do problema que não precisam da intervenção policial. Isso evitaria sobrecarga do serviço policial e permitiria o adequado atendimento das situações que efetivamente demandam intervenção policial e da Justiça Criminal, no caso do Juizado de Violência Doméstica.
Atualmente tramitam cinco mil ações e são realizadas em média 24 audiências por dia. A Juíza Osnilda Pisa afirma que se fossem recebidas apenas as situações que efetivamente competem ao Juizado da Violência Doméstica, seria possível soluções mais céleres.
Outro efeito do grande volume de ocorrências, segundo a magistrada, é a dificuldade de a Delegacia realizar uma investigação aprofundada e enviar os inquéritos dentro do prazo de 30 dias. Parte dos inquéritos policiais chega ao Juizado transcorridos dois anos da data do fato, prazo prescricional da maioria dos crimes e contravenções que envolvem os casos de violência doméstica.
Falta de leitos para tratamento
A Juíza ressalta que muitos casos não são “de polícia”, mas de tratamento por dependência de drogas, especialmente de álcool ou crack, e de transtornos psiquiátricos. No entanto, a rede de saúde não possui estrutura para atendimento e leitos para internação.
Grande parte dos usuários de drogas é enviada ao posto de saúde PAM-3, na Vila Cruzeiro, para serem diagnosticados e internados. No entanto, acabam recendo alta após 24 ou 48 horas, devido à escassez de vagas. Como alternativa, a magistrada tem enviado os presos em flagrante – que descumpriram medida - para o Instituto Psiquiátrico Forense, local que, no entanto, não realiza a desintoxicação com o uso de medicamentos.
Diante disso, ressalta a magistrada, “resta o encaminhamento aos grupos de auto-ajuda, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos e Amor-Exigente, que muito têm ajudado a prevenir a reiteração da violência. No entanto, em muitos casos, sem a prévia desintoxicação ou o tratamento de doenças comórbidas, como depressão, o grupo é insuficiente”.
Fonte: TJRS
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Controle de Convencionalidade: STF Revolucionou Nossa Pirâmide Jurídica.
Controle de Convencionalidade: STF Revolucionou Nossa Pirâmide Jurídica
Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito Penal. Mestre em Direito Penal. Professor de Direito Penal. Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001)
No dia 03.12.08 foi proclamada, pelo Pleno do STF (HC 87.585-TO e RE 466.343-SP), uma das decisões mais históricas de toda sua jurisprudência. Finalmente nossa Corte Suprema reconheceu que os tratados de direitos humanos valem mais do que a lei ordinária. Duas correntes estavam em pauta: a do Min. Gilmar Mendes, que sustentava o valor supralegal desses tratados, e a do Min. Celso de Mello, que lhes conferia valor constitucional. Por cinco votos a quatro, foi vencedora (por ora) a primeira tese.
Caso algum tratado venha a ser devidamente aprovado pelas duas casas legislativas com quorum qualificado (de três quintos, em duas votações em cada casa) e ratificado pelo Presidente da República, terá ele valor de Emenda Constitucional (CF, art. 5º, § 3º, com redação dada pela EC 45/2004). Fora disso, todos os (demais) tratados de direitos humanos vigentes no Brasil contam com valor supralegal (ou seja: valem mais do que a lei e menos que a Constituição). Isso possui o significado de uma verdadeira revolução na pirâmide jurídica de Kelsen, que era composta (apenas) pelas leis ordinárias (na base) e a Constituição (no topo).
Conseqüência prática: doravante toda lei (que está no patamar inferior) que for contrária aos tratados, não possui validade. Como nos diz Ferrajoli, são vigentes, mas não possuem validade (isso corresponde, no plano formal, à derrogação da lei). O STF, no julgamento citado, sublinhou o não cabimento (no Brasil) de mais nenhuma hipótese de prisão civil do depositário infiel, porque foram "derrogadas" (pelo art. 7º, 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) todas as leis ordinárias em sentido contrário ao tratado internacional.
Dupla compatibilidade vertical: toda lei ordinária, doravante, para ser válida, deve (então) contar com dupla compatibilidade vertical, ou seja, deve ser compatível com a Constituição brasileira assim como com os tratados de direitos humanos. Se a lei (de baixo) entrar em conflito (isto é: se for antagônica) com qualquer norma de valor superior (Constituição ou tratados), não vale (não conta com eficácia prática). A norma superior irradia uma espécie de "eficácia paralisante" da norma inferior (como diria o Min. Gilmar Mendes).
Duplo controle de verticalidade: do ponto de vista jurídico a conseqüência natural do que acaba de ser exposto é que devemos distinguir (doravante) com toda clareza o controle de constitucionalidade do controle de convencionalidade. No primeiro é analisada a compatibilidade do texto legal com a Constituição. No segundo o que se valora é a compatibilidade do texto legal com os tratados. Todas as vezes que a lei ordinária atritar com os tratados ou com a Constituição, não vale.
Tese de doutoramento de Valerio Mazzuoli: no Brasil quem defendeu, pela primeira vez, a teoria do controle de convencionalidade foi Valério Mazzuoli, em sua tese de doutoramento (sustentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faculdade de Direito, em Porto Alegre, em 2008).
Vale a pena destacar alguns trechos da sua obra: [pág. 227] "Para realizar o controle de convencionalidade das leis os tribunais locais não requerem qualquer autorização internacional. Tal controle passa, doravante, a [pág. 228] ter também caráter difuso, a exemplo do controle difuso de constitucionalidade, onde qualquer juiz ou tribunal pode se manifestar a respeito. À medida que os tratados forem sendo incorporados ao direito pátrio os tribunais locais – estando tais tratados em vigor no plano internacional – podem, desde já e independentemente de qualquer condição ulterior, compatibilizar as leis domésticas com o conteúdo dos tratados (de direitos humanos ou comuns) vigentes no país. Em outras palavras, os tratados internacionais incorporados ao direito brasileiro passam a ter eficácia paralisante (para além de derrogatória) das demais espécies normativas domésticas, cabendo ao juiz coordenar essas fontes (internacionais e internas) e escutar o que elas dizem. Mas, também, pode ainda existir o controle de convencionalidade concentrado no Supremo Tribunal Federal, como abaixo se dirá, na hipótese dos tratados (neste caso, apenas os de direitos humanos) internalizados pelo rito do art. 5º, § 3º da Constituição."
[Pág. 235]: "Ora, se a Constituição possibilita sejam os tratados de direitos humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de emenda, por questão de lógica deve também garantir-lhes os meios que garante a qualquer norma constitucional ou emenda de se protegerem contra investidas não autorizadas do direito infraconstitucional."
"Quanto aos tratados de direitos humanos não internalizados pelo quorum qualificado, passam eles a ser paradigma apenas do controle difuso de convencionalidade. Portanto, para nós – contrariamente ao que pensa José Afonso da Silva – não se pode dizer que as antinomias entre os tratados de direitos humanos não incorporados pelo referido rito qualificado e as normas infraconstitucionais somente poderão ser resolvidas ‘pelo modo de apreciação da colidência entre lei especial e lei geral’".
Fazendo-se a devida adequação da inovadora doutrina de Valerio Mazzuoli com a histórica decisão do STF de 03.12.08 cabe concluir o seguinte:
a) os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil – independentemente de aprovação com quorum qualificado – possuem nível (apenas) supralegal (posição do Min. Gilmar Mendes, por ora vencedora);
b) admitindo-se a tese de que não contam com valor constitucional, eles servem de paradigma (apenas) para o controle (difuso) de convencionalidade (recorde-se que o controle concentrado no STF exige como fonte uma norma com status constitucional);
c) o controle difuso de convencionalidade desses tratados com status supralegal deve ser levantado em linha de preliminar, em cada caso concreto, cabendo ao juiz respectivo a análise dessa matéria antes do exame do mérito do pedido principal;
d) já os tratados aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º da Constituição (precisamente porque contam com status constitucional) servirão de paradigma ao controle de constitucionalidade concentrado (perante o STF) ou difuso (perante qualquer juiz, incluindo-se os do STF);
e) em relação ao controle de constitucionalidade concentrado (só cabível, repita-se, quando observado o § 3º do art. 5º da CF) cabe admitir o uso de todos os instrumentos desse controle perante o STF, ou seja, é plenamente possível defender a possibilidade de ADIn (para eivar a norma infraconstitucional de inconstitucionacionalidade e inconvencionalidade), de ADECON (para garantir à norma infraconstitucional a compatibilidade vertical com a norma internacional com valor constitucional), ou até mesmo de ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) para exigir o cumprimento de um "preceito fundamental" encontrado em tratado de direitos humanos formalmente constitucional.
Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito Penal. Mestre em Direito Penal. Professor de Direito Penal. Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001)
No dia 03.12.08 foi proclamada, pelo Pleno do STF (HC 87.585-TO e RE 466.343-SP), uma das decisões mais históricas de toda sua jurisprudência. Finalmente nossa Corte Suprema reconheceu que os tratados de direitos humanos valem mais do que a lei ordinária. Duas correntes estavam em pauta: a do Min. Gilmar Mendes, que sustentava o valor supralegal desses tratados, e a do Min. Celso de Mello, que lhes conferia valor constitucional. Por cinco votos a quatro, foi vencedora (por ora) a primeira tese.
Caso algum tratado venha a ser devidamente aprovado pelas duas casas legislativas com quorum qualificado (de três quintos, em duas votações em cada casa) e ratificado pelo Presidente da República, terá ele valor de Emenda Constitucional (CF, art. 5º, § 3º, com redação dada pela EC 45/2004). Fora disso, todos os (demais) tratados de direitos humanos vigentes no Brasil contam com valor supralegal (ou seja: valem mais do que a lei e menos que a Constituição). Isso possui o significado de uma verdadeira revolução na pirâmide jurídica de Kelsen, que era composta (apenas) pelas leis ordinárias (na base) e a Constituição (no topo).
Conseqüência prática: doravante toda lei (que está no patamar inferior) que for contrária aos tratados, não possui validade. Como nos diz Ferrajoli, são vigentes, mas não possuem validade (isso corresponde, no plano formal, à derrogação da lei). O STF, no julgamento citado, sublinhou o não cabimento (no Brasil) de mais nenhuma hipótese de prisão civil do depositário infiel, porque foram "derrogadas" (pelo art. 7º, 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos) todas as leis ordinárias em sentido contrário ao tratado internacional.
Dupla compatibilidade vertical: toda lei ordinária, doravante, para ser válida, deve (então) contar com dupla compatibilidade vertical, ou seja, deve ser compatível com a Constituição brasileira assim como com os tratados de direitos humanos. Se a lei (de baixo) entrar em conflito (isto é: se for antagônica) com qualquer norma de valor superior (Constituição ou tratados), não vale (não conta com eficácia prática). A norma superior irradia uma espécie de "eficácia paralisante" da norma inferior (como diria o Min. Gilmar Mendes).
Duplo controle de verticalidade: do ponto de vista jurídico a conseqüência natural do que acaba de ser exposto é que devemos distinguir (doravante) com toda clareza o controle de constitucionalidade do controle de convencionalidade. No primeiro é analisada a compatibilidade do texto legal com a Constituição. No segundo o que se valora é a compatibilidade do texto legal com os tratados. Todas as vezes que a lei ordinária atritar com os tratados ou com a Constituição, não vale.
Tese de doutoramento de Valerio Mazzuoli: no Brasil quem defendeu, pela primeira vez, a teoria do controle de convencionalidade foi Valério Mazzuoli, em sua tese de doutoramento (sustentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faculdade de Direito, em Porto Alegre, em 2008).
Vale a pena destacar alguns trechos da sua obra: [pág. 227] "Para realizar o controle de convencionalidade das leis os tribunais locais não requerem qualquer autorização internacional. Tal controle passa, doravante, a [pág. 228] ter também caráter difuso, a exemplo do controle difuso de constitucionalidade, onde qualquer juiz ou tribunal pode se manifestar a respeito. À medida que os tratados forem sendo incorporados ao direito pátrio os tribunais locais – estando tais tratados em vigor no plano internacional – podem, desde já e independentemente de qualquer condição ulterior, compatibilizar as leis domésticas com o conteúdo dos tratados (de direitos humanos ou comuns) vigentes no país. Em outras palavras, os tratados internacionais incorporados ao direito brasileiro passam a ter eficácia paralisante (para além de derrogatória) das demais espécies normativas domésticas, cabendo ao juiz coordenar essas fontes (internacionais e internas) e escutar o que elas dizem. Mas, também, pode ainda existir o controle de convencionalidade concentrado no Supremo Tribunal Federal, como abaixo se dirá, na hipótese dos tratados (neste caso, apenas os de direitos humanos) internalizados pelo rito do art. 5º, § 3º da Constituição."
[Pág. 235]: "Ora, se a Constituição possibilita sejam os tratados de direitos humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de emenda, por questão de lógica deve também garantir-lhes os meios que garante a qualquer norma constitucional ou emenda de se protegerem contra investidas não autorizadas do direito infraconstitucional."
"Quanto aos tratados de direitos humanos não internalizados pelo quorum qualificado, passam eles a ser paradigma apenas do controle difuso de convencionalidade. Portanto, para nós – contrariamente ao que pensa José Afonso da Silva – não se pode dizer que as antinomias entre os tratados de direitos humanos não incorporados pelo referido rito qualificado e as normas infraconstitucionais somente poderão ser resolvidas ‘pelo modo de apreciação da colidência entre lei especial e lei geral’".
Fazendo-se a devida adequação da inovadora doutrina de Valerio Mazzuoli com a histórica decisão do STF de 03.12.08 cabe concluir o seguinte:
a) os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil – independentemente de aprovação com quorum qualificado – possuem nível (apenas) supralegal (posição do Min. Gilmar Mendes, por ora vencedora);
b) admitindo-se a tese de que não contam com valor constitucional, eles servem de paradigma (apenas) para o controle (difuso) de convencionalidade (recorde-se que o controle concentrado no STF exige como fonte uma norma com status constitucional);
c) o controle difuso de convencionalidade desses tratados com status supralegal deve ser levantado em linha de preliminar, em cada caso concreto, cabendo ao juiz respectivo a análise dessa matéria antes do exame do mérito do pedido principal;
d) já os tratados aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º da Constituição (precisamente porque contam com status constitucional) servirão de paradigma ao controle de constitucionalidade concentrado (perante o STF) ou difuso (perante qualquer juiz, incluindo-se os do STF);
e) em relação ao controle de constitucionalidade concentrado (só cabível, repita-se, quando observado o § 3º do art. 5º da CF) cabe admitir o uso de todos os instrumentos desse controle perante o STF, ou seja, é plenamente possível defender a possibilidade de ADIn (para eivar a norma infraconstitucional de inconstitucionacionalidade e inconvencionalidade), de ADECON (para garantir à norma infraconstitucional a compatibilidade vertical com a norma internacional com valor constitucional), ou até mesmo de ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) para exigir o cumprimento de um "preceito fundamental" encontrado em tratado de direitos humanos formalmente constitucional.
Maioridade penal deve voltar ao centro dos debates no Senado em 2009
Maioridade penal deve voltar ao centro dos debates no Senado em 2009
O tema da redução da maioridade penal deve voltar ao centro dos debates do Senado no ano de 2009. Isso porque está pronto para votação em Plenário o substitutivo do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) à Proposta de Emenda à Constituição 20/99, que englobou os textos de outras cinco PECs que tramitavam no Senado e tratavam do mesmo assunto (18/99, 90/03, 26/02, 03/01 e 09/04). O substitutivo foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em abril de 2007.
De acordo com o substitutivo, menores de 18 e maiores de 16 anos só poderão ser penalmente imputáveis ou responsáveis se, à época em que cometeram a ação criminosa, apresentavam "plena capacidade" de entender o caráter ilícito do ato. Para isso, o juiz pedirá um laudo técnico de especialistas. Se condenados, esses jovens cumprirão pena em local distinto dos presos maiores de 18 anos.
A discussão sobre a redução da maioridade penal ganhou força no Senado em 2007, quando o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, morreu no Rio de Janeiro após ser arrastado por sete quilômetros durante assalto que teve a participação de um adolescente de 16 anos.
Diante da série de crimes cometidos por menores de 18 anos, alguns parlamentares, como o senador Magno Malta (PR-ES), viram na redução da maioridade penal uma espécie de medida sócio-educativa. Para isso, ele sempre ressaltou que os adolescentes infratores deveriam ficar separados dos adultos, em locais em que pudessem estudar ou desenvolver um ofício.
- Do jeito que as coisas estão, não tem mais limites. Eles conhecem a lei de cor e sabem que podem fazer tudo, que não vai dar em nada. Então, também vão guardar no coração quando alguém lhes disser que, se fizerem alguma coisa errada, vão perder sua menoridade. Vão pensar nisso antes de colocar o revólver na cabeça de alguém e dar dez tiros - opinou o senador em debate na CCJ.
A senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), por sua vez, sustentou que a idade penal é protegida por cláusula pétrea da Constituição - ou seja, está entre os princípios que não podem ser modificados pelos legisladores. Ela salientou que crianças e jovens são negligenciados pela sociedade, submetidos a toda forma de crueldade e violência, sem acesso aos direitos constitucionais básicos, como saúde, alimentação, educação e lazer.
- Eu não posso condenar as crianças porque o Estado brasileiro não cumpriu suas responsabilidades. A sociedade está com razão quando quer tranquilidade, mas asseguro, com minha experiência, que a redução da maioridade não é solução - afirmou em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
O novo presidente do Senado, José Sarney, foi questionado a respeito do tema por jornalistas na entrevista coletiva concedida na última quinta-feira (12), mas preferiu não adiantar sua opinião.
Propostas
O senador Demóstenes Torres agrupou, em seu substitutivo, os textos de outras cinco propostas de emenda à Constituição que tratavam da redução da maioridade penal:
PEC 18/99 - A proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) prevê que, "nos casos de crimes contra a vida ou o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, são penalmente inimputáveis apenas os menores de 16 anos, sujeitos às normas da legislação especial".
PEC 90/03 - Pela proposta do senador Magno Malta, serão considerados penalmente imputáveis os maiores de 13 anos que tenham praticado crimes definidos como hediondos.
PEC 26/02 - A proposta do então senador Iris Rezende (PMDB-GO) estabelece que "os menores de 18 e maiores de 16 responderão pela prática de crime hediondo ou contra a vida, na forma da lei, que exigirá laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz, para atestar se o agente, à época dos fatos, tinha capacidade de entender o caráter ilícito de seu ato".
PEC 03/01 - A proposta do então senador José Roberto Arruda (DEM-DF) reduz para 16 anos a idade para imputabilidade penal.
PEC 09/04 - A proposta senador Papaléo Paes (PSDB-AP) determina a imputabilidade penal "quando o menor apresentar idade psicológica igual ou superior a dezoito anos".
O tema da redução da maioridade penal deve voltar ao centro dos debates do Senado no ano de 2009. Isso porque está pronto para votação em Plenário o substitutivo do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) à Proposta de Emenda à Constituição 20/99, que englobou os textos de outras cinco PECs que tramitavam no Senado e tratavam do mesmo assunto (18/99, 90/03, 26/02, 03/01 e 09/04). O substitutivo foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em abril de 2007.
De acordo com o substitutivo, menores de 18 e maiores de 16 anos só poderão ser penalmente imputáveis ou responsáveis se, à época em que cometeram a ação criminosa, apresentavam "plena capacidade" de entender o caráter ilícito do ato. Para isso, o juiz pedirá um laudo técnico de especialistas. Se condenados, esses jovens cumprirão pena em local distinto dos presos maiores de 18 anos.
A discussão sobre a redução da maioridade penal ganhou força no Senado em 2007, quando o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, morreu no Rio de Janeiro após ser arrastado por sete quilômetros durante assalto que teve a participação de um adolescente de 16 anos.
Diante da série de crimes cometidos por menores de 18 anos, alguns parlamentares, como o senador Magno Malta (PR-ES), viram na redução da maioridade penal uma espécie de medida sócio-educativa. Para isso, ele sempre ressaltou que os adolescentes infratores deveriam ficar separados dos adultos, em locais em que pudessem estudar ou desenvolver um ofício.
- Do jeito que as coisas estão, não tem mais limites. Eles conhecem a lei de cor e sabem que podem fazer tudo, que não vai dar em nada. Então, também vão guardar no coração quando alguém lhes disser que, se fizerem alguma coisa errada, vão perder sua menoridade. Vão pensar nisso antes de colocar o revólver na cabeça de alguém e dar dez tiros - opinou o senador em debate na CCJ.
A senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), por sua vez, sustentou que a idade penal é protegida por cláusula pétrea da Constituição - ou seja, está entre os princípios que não podem ser modificados pelos legisladores. Ela salientou que crianças e jovens são negligenciados pela sociedade, submetidos a toda forma de crueldade e violência, sem acesso aos direitos constitucionais básicos, como saúde, alimentação, educação e lazer.
- Eu não posso condenar as crianças porque o Estado brasileiro não cumpriu suas responsabilidades. A sociedade está com razão quando quer tranquilidade, mas asseguro, com minha experiência, que a redução da maioridade não é solução - afirmou em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
O novo presidente do Senado, José Sarney, foi questionado a respeito do tema por jornalistas na entrevista coletiva concedida na última quinta-feira (12), mas preferiu não adiantar sua opinião.
Propostas
O senador Demóstenes Torres agrupou, em seu substitutivo, os textos de outras cinco propostas de emenda à Constituição que tratavam da redução da maioridade penal:
PEC 18/99 - A proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) prevê que, "nos casos de crimes contra a vida ou o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, são penalmente inimputáveis apenas os menores de 16 anos, sujeitos às normas da legislação especial".
PEC 90/03 - Pela proposta do senador Magno Malta, serão considerados penalmente imputáveis os maiores de 13 anos que tenham praticado crimes definidos como hediondos.
PEC 26/02 - A proposta do então senador Iris Rezende (PMDB-GO) estabelece que "os menores de 18 e maiores de 16 responderão pela prática de crime hediondo ou contra a vida, na forma da lei, que exigirá laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo juiz, para atestar se o agente, à época dos fatos, tinha capacidade de entender o caráter ilícito de seu ato".
PEC 03/01 - A proposta do então senador José Roberto Arruda (DEM-DF) reduz para 16 anos a idade para imputabilidade penal.
PEC 09/04 - A proposta senador Papaléo Paes (PSDB-AP) determina a imputabilidade penal "quando o menor apresentar idade psicológica igual ou superior a dezoito anos".
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Prisão Preventiva: Falta de Fundamentação e Autodefesa. STF.
Prisão Preventiva: Falta de Fundamentação e Autodefesa
A Turma não conheceu de habeas corpus em que pleiteada a revogação do decreto de prisão cautelar expedido em desfavor de condenada pela prática do crime de latrocínio (CP, art. 157, § 3º). No caso, após a soltura da paciente pelo Tribunal de Justiça local para que aguardasse o julgamento de apelação em liberdade, o juízo processante, ao receber esse recurso, determinara seu recolhimento à prisão ao argumento de garantia da ordem pública, uma vez que a credibilidade da justiça estaria abalada por causa de entrevista concedida pela paciente em programa de televisão, narrando o fato delituoso. Contra essa decisão, fora impetrado writ perante a Corte de origem, não conhecido, o que ensejara igual medida no STJ, cujo pedido de liminar restara indeferido monocraticamente. Ante a concessão de medida liminar pelo Min. Carlos Britto, relator, o STJ declarara o prejuízo do habeas corpus lá impetrado. Superado o óbice da Súmula 691 do STF, concedeu-se a ordem, de ofício, por se considerar que o simples ato de a paciente participar de programa televisivo, discorrendo sobre o quadro empírico do delito a que condenada, não teria a força de justificar a respectiva segregação cautelar. Assim, reputou-se inidôneo o fato superveniente apontado pela juíza de 1º grau para a determinação da custódia provisória. Enfatizou-se, no ponto, que a paciente apenas manifestara a sua própria versão sobre os fatos delituosos, autodefendendo-se. Dessa forma, entendeu-se que a entrevista da paciente traduzira-se no exercício constitucional à “livre manifestação do pensamento” (CF, art. 5º, IV) e de autodefesa, a mais natural das dimensões das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Por fim, acolheu-se proposta do Min. Menezes Direito no sentido de que deveria ficar consignado na ementa do acórdão que esse comportamento do STJ em declarar o prejuízo da impetração não é pertinente.
HC 95116/SC, rel. Min. Carlos Britto, 3.2.2009. (HC-95116)
A Turma não conheceu de habeas corpus em que pleiteada a revogação do decreto de prisão cautelar expedido em desfavor de condenada pela prática do crime de latrocínio (CP, art. 157, § 3º). No caso, após a soltura da paciente pelo Tribunal de Justiça local para que aguardasse o julgamento de apelação em liberdade, o juízo processante, ao receber esse recurso, determinara seu recolhimento à prisão ao argumento de garantia da ordem pública, uma vez que a credibilidade da justiça estaria abalada por causa de entrevista concedida pela paciente em programa de televisão, narrando o fato delituoso. Contra essa decisão, fora impetrado writ perante a Corte de origem, não conhecido, o que ensejara igual medida no STJ, cujo pedido de liminar restara indeferido monocraticamente. Ante a concessão de medida liminar pelo Min. Carlos Britto, relator, o STJ declarara o prejuízo do habeas corpus lá impetrado. Superado o óbice da Súmula 691 do STF, concedeu-se a ordem, de ofício, por se considerar que o simples ato de a paciente participar de programa televisivo, discorrendo sobre o quadro empírico do delito a que condenada, não teria a força de justificar a respectiva segregação cautelar. Assim, reputou-se inidôneo o fato superveniente apontado pela juíza de 1º grau para a determinação da custódia provisória. Enfatizou-se, no ponto, que a paciente apenas manifestara a sua própria versão sobre os fatos delituosos, autodefendendo-se. Dessa forma, entendeu-se que a entrevista da paciente traduzira-se no exercício constitucional à “livre manifestação do pensamento” (CF, art. 5º, IV) e de autodefesa, a mais natural das dimensões das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Por fim, acolheu-se proposta do Min. Menezes Direito no sentido de que deveria ficar consignado na ementa do acórdão que esse comportamento do STJ em declarar o prejuízo da impetração não é pertinente.
HC 95116/SC, rel. Min. Carlos Britto, 3.2.2009. (HC-95116)
Entenda as diferenças entre os diversos tipos de prisão no Brasil. Fonte: STF.
Notícias STF Imprimir Sexta-feira, 13 de Fevereiro de 2009
Entenda as diferenças entre os diversos tipos de prisão no Brasil
Entenda as diferenças entre prisão temporária, preventiva, em flagrante, civil e para efeitos de extradição – modalidades permitidas pela justiça brasileira.
Prisão Temporária: A prisão temporária é uma modalidade de prisão utilizada durante uma investigação. Geralmente é decretada para assegurar o sucesso de uma determinada diligência “imprescindível para as investigações”. Conforme a Lei 7.960/89, que regulamenta a prisão temporária, ela será cabível: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes de homicídio, sequestro, roubo, estupro, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro, entre outros.
O prazo de duração da prisão temporária, em regra, é de 5 dias. Entretanto, existem procedimentos específicos que estipulam prazos maiores para que o investigado possa permanecer preso temporariamente.
Prisão Preventiva: A prisão preventiva atualmente é a modalidade de prisão mais conhecida e debatida do ordenamento jurídico. Ela pode ser decretada tanto durante as investigações, quanto no decorrer da ação penal, devendo, em ambos os casos, estarem preenchidos os requisitos legais para sua decretação. O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que podem fundamentar a prisão preventiva, sendo eles: a) garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes); b) conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas); c) assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida).
O STF rotineiramente vem anulando decretos de prisão preventiva que não apresentam os devidos fundamentos e não apontam, de forma específica, a conduta praticada pelo réu a justificar a prisão antes da condenação. A Constituição Federal determina que uma pessoa somente poderá ser considerada culpada de um crime após o fim do processo, ou seja, o julgamento de todos os recursos cabíveis.
Prisão em Flagrante: A prisão em flagrante possui uma peculiaridade pouco conhecida pelos cidadãos, que é a possibilidade de poder ser decretada por “qualquer do povo” que presenciar o cometimento de um ato criminoso. As autoridades policiais têm o dever de prender quem esteja em “flagrante delito”.
Prisão para execução da pena: A prisão que objetiva o início da aplicação de uma pena foi objeto de discussão de um recente debate pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Os ministros entenderam que ela somente pode ser iniciada quando forem julgados todos os recursos cabíveis a serem interpostos, inclusive àqueles encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ – Recurso Especial) e Supremo Tribunal Federal (STF – Recurso Extraordinário). Entretanto, isso se aplica aos condenados que responderam o processo em liberdade, pois contra estes não existiam fundamentos para decretação da prisão preventiva. Caso surjam novos fatos que justifiquem a prisão a preventiva, os condenados poderão ser recolhidos antes do julgamento dos recursos.
Esta modalidade de prisão é regulamentada pela Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), que possibilita, inclusive, o sistema de progressão do regime de cumprimento das penas, trata dos direitos e deveres dos presos e determina as sanções às faltas disciplinares, entre outros temas.
Prisão preventiva para fins de extradição: Medida que garante a prisão preventiva do réu em processo de Extradição como garantia de assegurar a efetividade do processo extradicional. É condição para se iniciar o processo de Extradição. A Extradição será requerida depois da Prisão Preventiva para Extradição, por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de governo a governo. O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que o encaminhará ao STF, cabendo ao Ministro Relator ordenar a prisão do extraditando, para que seja colocando à disposição do Supremo Tribunal Federal.
A importância da prisão preventiva para extradição se dá pelo fato de que seria impossível para o país, que pretende julgar um criminoso, apresentar pedido de extradição para um determinado estado onde o procurado foi localizado, mas logo após este fugir para outro país.
Também de nada adiantaria conceder um pedido de extradição, mas na hora de entregar o estrangeiro ao Estado requerente, não estar com ele em mãos. Entretanto, em casos excepcionais, o STF tem autorizado que estrangeiros com pedido de extradição em curso possam aguardá-lo em liberdade.
Prisão civil do não pagador de pensão alimentícia: Esta é a única modalidade de prisão civil admitida na Justiça brasileira. Recentemente o Supremo reconheceu a ilegalidade de outra espécie de prisão civil, a do depositário infiel.
A prisão civil do não pagador de pensão alimentícia tem por objetivo fazer com que o pai ou mãe, ou outro responsável, cumpra sua obrigação de prestar alimentos ao seu filho. Existem debates sobre a possibilidade do filho também possuir o dever de prestar alimentos aos pais, quando estiverem passando necessidades.
Entenda as diferenças entre os diversos tipos de prisão no Brasil
Entenda as diferenças entre prisão temporária, preventiva, em flagrante, civil e para efeitos de extradição – modalidades permitidas pela justiça brasileira.
Prisão Temporária: A prisão temporária é uma modalidade de prisão utilizada durante uma investigação. Geralmente é decretada para assegurar o sucesso de uma determinada diligência “imprescindível para as investigações”. Conforme a Lei 7.960/89, que regulamenta a prisão temporária, ela será cabível: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes de homicídio, sequestro, roubo, estupro, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro, entre outros.
O prazo de duração da prisão temporária, em regra, é de 5 dias. Entretanto, existem procedimentos específicos que estipulam prazos maiores para que o investigado possa permanecer preso temporariamente.
Prisão Preventiva: A prisão preventiva atualmente é a modalidade de prisão mais conhecida e debatida do ordenamento jurídico. Ela pode ser decretada tanto durante as investigações, quanto no decorrer da ação penal, devendo, em ambos os casos, estarem preenchidos os requisitos legais para sua decretação. O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que podem fundamentar a prisão preventiva, sendo eles: a) garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes); b) conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas); c) assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida).
O STF rotineiramente vem anulando decretos de prisão preventiva que não apresentam os devidos fundamentos e não apontam, de forma específica, a conduta praticada pelo réu a justificar a prisão antes da condenação. A Constituição Federal determina que uma pessoa somente poderá ser considerada culpada de um crime após o fim do processo, ou seja, o julgamento de todos os recursos cabíveis.
Prisão em Flagrante: A prisão em flagrante possui uma peculiaridade pouco conhecida pelos cidadãos, que é a possibilidade de poder ser decretada por “qualquer do povo” que presenciar o cometimento de um ato criminoso. As autoridades policiais têm o dever de prender quem esteja em “flagrante delito”.
Prisão para execução da pena: A prisão que objetiva o início da aplicação de uma pena foi objeto de discussão de um recente debate pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Os ministros entenderam que ela somente pode ser iniciada quando forem julgados todos os recursos cabíveis a serem interpostos, inclusive àqueles encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ – Recurso Especial) e Supremo Tribunal Federal (STF – Recurso Extraordinário). Entretanto, isso se aplica aos condenados que responderam o processo em liberdade, pois contra estes não existiam fundamentos para decretação da prisão preventiva. Caso surjam novos fatos que justifiquem a prisão a preventiva, os condenados poderão ser recolhidos antes do julgamento dos recursos.
Esta modalidade de prisão é regulamentada pela Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), que possibilita, inclusive, o sistema de progressão do regime de cumprimento das penas, trata dos direitos e deveres dos presos e determina as sanções às faltas disciplinares, entre outros temas.
Prisão preventiva para fins de extradição: Medida que garante a prisão preventiva do réu em processo de Extradição como garantia de assegurar a efetividade do processo extradicional. É condição para se iniciar o processo de Extradição. A Extradição será requerida depois da Prisão Preventiva para Extradição, por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de governo a governo. O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que o encaminhará ao STF, cabendo ao Ministro Relator ordenar a prisão do extraditando, para que seja colocando à disposição do Supremo Tribunal Federal.
A importância da prisão preventiva para extradição se dá pelo fato de que seria impossível para o país, que pretende julgar um criminoso, apresentar pedido de extradição para um determinado estado onde o procurado foi localizado, mas logo após este fugir para outro país.
Também de nada adiantaria conceder um pedido de extradição, mas na hora de entregar o estrangeiro ao Estado requerente, não estar com ele em mãos. Entretanto, em casos excepcionais, o STF tem autorizado que estrangeiros com pedido de extradição em curso possam aguardá-lo em liberdade.
Prisão civil do não pagador de pensão alimentícia: Esta é a única modalidade de prisão civil admitida na Justiça brasileira. Recentemente o Supremo reconheceu a ilegalidade de outra espécie de prisão civil, a do depositário infiel.
A prisão civil do não pagador de pensão alimentícia tem por objetivo fazer com que o pai ou mãe, ou outro responsável, cumpra sua obrigação de prestar alimentos ao seu filho. Existem debates sobre a possibilidade do filho também possuir o dever de prestar alimentos aos pais, quando estiverem passando necessidades.
Direito de recorrer aos Tribunais Superiores em liberdade. Luiz Flávio Gomes.
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Artigos - Direito de recorrer aos Tribunais Superiores em liberdade
06/02/2009-12:15
Autor: Luiz Flávio Gomes;
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Direito de recorrer aos Tribunais Superiores em liberdade. Disponível em http://www.lfg.com.br. 06 de fevereiro de 2009.
Por sete votos a quatro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, no dia 05.02.09, o Habeas Corpus (HC 84.078) para permitir que um réu já condenado - pelo Tribunal do Júri da Comarca de Passos (MG) à pena de sete anos e seis meses de reclusão, em regime inicialmente fechado - recorra dessa condenação, aos tribunais superiores, em liberdade. Ele foi julgado por tentativa de homicídio duplamente qualificado (artigos 121, parágrafo 2º, inciso IV, e 14, inciso II, do Código Penal).
A polêmica dirimida (corretamente) pela maioria dos membros do STF diz respeito ao seguinte: o réu, depois de já condenado, caso esteja em liberdade, tem direito de recorrer extraordinariamente nessa condição? Tem direito de ingressar com Recurso Extraordinário (ao STF) ou Especial (ao STJ) e permanecer em liberdade? O acórdão confirmatório de uma condenação ou acórdão condenatório, antes do trânsito em julgado, pode ser executado provisoriamente? O efeito só devolutivo do RE ou REsp autoriza a execução imediata de eventual mandado de prisão?
Todas essas questões já vinham sendo enfrentadas no STF (por exemplo: HC 89.754-MC-BA, rel. Min. Min. Celso de Mello, j. 06.12.06). O STJ (com visão puramente legalista) admitia a possibilidade de execução provisória do julgado, mesmo porque se sabe que o RE ou o REsp não possui efeito suspensivo. Esses recursos (por terem caráter extraordinário) não impedem a imediata expedição de eventual mandado de prisão. O art. 675 do CPP (que impede a expedição imediata de mandado de prisão) só tem aplicação quando se trata de recurso com efeito suspensivo. A prisão, como efeito da condenação, não viola a presunção de inocência.
Os acórdãos dos TJs e dos TRFs que mandam prender imediatamente o réu fundamentam a prisão no seguinte: (a) inexistência de efeito suspensivo do RE ou REsp; (b) art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990; (c) art. 637 do CPP; (d) Súmula 267 do STJ; (e) a execução provisória do julgado não ofende o princípio da presunção de inocência. Essa linha legalista positivista, que ignora a Constituição vigente, sempre foi seguida (majoritariamente) pelo STJ (Súmula 267).
O STF, entretanto, desde a perspectiva constitucional, vem afirmando a imprescindibilidade de se demonstrar, em cada caso concreto, a necessidade da prisão cautelar, que possui caráter excepcional (RTJ 180/262-264, rel. Min. Celso de Mello). Mesmo que se trate de prisão decorrente de condenação recorrível (emanada de primeira ou de segunda instância), a prisão só se justifica quando há motivo concreto que revele sua absoluta necessidade (HC 71.644-MG, rel. Min. Celso de Mello; RTJ 195/603, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 84.434-SP, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 86.164-RO, rel. Min. Carlos Britto; RTJ 193/936).
De acordo com a visão constitucionalista do STF, a prisão, mesmo que fundada em acórdão condenatório ou confirmatório de condenação precedente e tendo como base só o fato de o RE ou o REsp possuir efeito devolutivo, significa execução provisória indevida da pena.
Em situações como a que ora se registra, "o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, ainda que em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, mesmo que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, até mesmo de ofício, ao paciente, o direito de recorrer em liberdade" (HC 89.754 MC-BA, rel. Min. Celso de Mello).
A prisão fundada não em fatos concretos, justificadores da medida extremada da prisão cautelar, sim, exclusivamente "na lei" (que não confere efeito suspensivo ao RE ou ao REsp), viola patentemente a presunção de inocência.
Se o réu está em liberdade, a prisão contra ele decretada - embora fundada em condenação penal recorrível (o que lhe atribui índole eminentemente cautelar) - somente se justifica se motivada por fato posterior, que se ajuste, concretamente, em uma das hipóteses referidas no art. 312 do CPP (STF, HC 89.175-PA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.02.07). Fora disso estamos diante de uma execução provisória indevida da prisão, verdadeira antecipação de pena, que conflita flagrantemente com o princípio da presunção de inocência emanado do art. 8º da CADH assim como do art. 5º, inc. LVII, da CF.
Na decisão do STF de 05.02.09 (HC 84.078-MG) mais uma vez preponderou (sensatamente) a ideologia da equidade (nos votos de Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio). Ficaram vencidos (porque seguidores da ideologia da segurança) os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie.
Prevaleceu a tese de que qualquer prisão não devidamente fundamentada na absoluta necessidade, antes da sentença condenatória transitada em julgado, contrariaria o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF), segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
O ministro Celso de Mello deixou claro, entretanto, que a prisão cautelar processual é admissível, desde que fundamentada com base nos quatro pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal - garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal.
Ao proferir seu voto - o último do julgamento -, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto majoritário do relator, ministro Eros Grau. Apresentando dados, ele admitiu que a Justiça brasileira é ineficiente, mas disse que o país tem um elevado número de presos - 440 mil. "Eu tenho dados decorrentes da atividade no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que são impressionantes. Apesar dessa inefetividade (da Justiça), o Brasil tem um índice bastante alto de presos. São 440 mil presos, dados de 2008, dos quais 189 mil são presos provisórios, muitos deles há mais de dois, mais de três anos, como se tem encontrado nesses mutirões do CNJ. E se nós formos olhar por estado, a situação é ainda mais grave. Nós vamos encontrar em alguns estados 80% dos presos nesse estágio provisório [prisão provisória]".
"Nos mutirões realizado pelo CNJ encontraram-se presos no estado Piauí que estavam há mais de três anos presos provisoriamente sem denúncia apresentada", relatou ainda o ministro. "No estado do Piauí há até uma singularidade. A Secretaria de Segurança do Estado concebeu um tal inquérito de capa preta, que significa que a Polícia diz para a Justiça que não deve soltar aquela pessoa. É um mundo de horrores a Justiça criminal brasileira. Muitas vezes com a conivência da Justiça e do Ministério Público".
Sendo o processo penal de cada país um índice de aferição do seu nível de democracia e de civilização, a decisão do STF ora comentada marcou um ponto favorável ao Brasil nesse importante ranking. Prisão antes do trânsito em julgado final somente quando absolutamente necessária.
Artigos - Direito de recorrer aos Tribunais Superiores em liberdade
06/02/2009-12:15
Autor: Luiz Flávio Gomes;
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Direito de recorrer aos Tribunais Superiores em liberdade. Disponível em http://www.lfg.com.br. 06 de fevereiro de 2009.
Por sete votos a quatro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, no dia 05.02.09, o Habeas Corpus (HC 84.078) para permitir que um réu já condenado - pelo Tribunal do Júri da Comarca de Passos (MG) à pena de sete anos e seis meses de reclusão, em regime inicialmente fechado - recorra dessa condenação, aos tribunais superiores, em liberdade. Ele foi julgado por tentativa de homicídio duplamente qualificado (artigos 121, parágrafo 2º, inciso IV, e 14, inciso II, do Código Penal).
A polêmica dirimida (corretamente) pela maioria dos membros do STF diz respeito ao seguinte: o réu, depois de já condenado, caso esteja em liberdade, tem direito de recorrer extraordinariamente nessa condição? Tem direito de ingressar com Recurso Extraordinário (ao STF) ou Especial (ao STJ) e permanecer em liberdade? O acórdão confirmatório de uma condenação ou acórdão condenatório, antes do trânsito em julgado, pode ser executado provisoriamente? O efeito só devolutivo do RE ou REsp autoriza a execução imediata de eventual mandado de prisão?
Todas essas questões já vinham sendo enfrentadas no STF (por exemplo: HC 89.754-MC-BA, rel. Min. Min. Celso de Mello, j. 06.12.06). O STJ (com visão puramente legalista) admitia a possibilidade de execução provisória do julgado, mesmo porque se sabe que o RE ou o REsp não possui efeito suspensivo. Esses recursos (por terem caráter extraordinário) não impedem a imediata expedição de eventual mandado de prisão. O art. 675 do CPP (que impede a expedição imediata de mandado de prisão) só tem aplicação quando se trata de recurso com efeito suspensivo. A prisão, como efeito da condenação, não viola a presunção de inocência.
Os acórdãos dos TJs e dos TRFs que mandam prender imediatamente o réu fundamentam a prisão no seguinte: (a) inexistência de efeito suspensivo do RE ou REsp; (b) art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990; (c) art. 637 do CPP; (d) Súmula 267 do STJ; (e) a execução provisória do julgado não ofende o princípio da presunção de inocência. Essa linha legalista positivista, que ignora a Constituição vigente, sempre foi seguida (majoritariamente) pelo STJ (Súmula 267).
O STF, entretanto, desde a perspectiva constitucional, vem afirmando a imprescindibilidade de se demonstrar, em cada caso concreto, a necessidade da prisão cautelar, que possui caráter excepcional (RTJ 180/262-264, rel. Min. Celso de Mello). Mesmo que se trate de prisão decorrente de condenação recorrível (emanada de primeira ou de segunda instância), a prisão só se justifica quando há motivo concreto que revele sua absoluta necessidade (HC 71.644-MG, rel. Min. Celso de Mello; RTJ 195/603, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 84.434-SP, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 86.164-RO, rel. Min. Carlos Britto; RTJ 193/936).
De acordo com a visão constitucionalista do STF, a prisão, mesmo que fundada em acórdão condenatório ou confirmatório de condenação precedente e tendo como base só o fato de o RE ou o REsp possuir efeito devolutivo, significa execução provisória indevida da pena.
Em situações como a que ora se registra, "o Supremo Tribunal Federal tem garantido, ao condenado, ainda que em sede cautelar, o direito de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos interpostos, mesmo que destituídos de eficácia suspensiva (HC 85.710/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO - HC 88.276/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 88.460/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.), valendo referir, por relevante, que ambas as Turmas desta Suprema Corte (HC 85.877/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, e HC 86.328/RS, Rel. Min. EROS GRAU) já asseguraram, até mesmo de ofício, ao paciente, o direito de recorrer em liberdade" (HC 89.754 MC-BA, rel. Min. Celso de Mello).
A prisão fundada não em fatos concretos, justificadores da medida extremada da prisão cautelar, sim, exclusivamente "na lei" (que não confere efeito suspensivo ao RE ou ao REsp), viola patentemente a presunção de inocência.
Se o réu está em liberdade, a prisão contra ele decretada - embora fundada em condenação penal recorrível (o que lhe atribui índole eminentemente cautelar) - somente se justifica se motivada por fato posterior, que se ajuste, concretamente, em uma das hipóteses referidas no art. 312 do CPP (STF, HC 89.175-PA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.02.07). Fora disso estamos diante de uma execução provisória indevida da prisão, verdadeira antecipação de pena, que conflita flagrantemente com o princípio da presunção de inocência emanado do art. 8º da CADH assim como do art. 5º, inc. LVII, da CF.
Na decisão do STF de 05.02.09 (HC 84.078-MG) mais uma vez preponderou (sensatamente) a ideologia da equidade (nos votos de Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio). Ficaram vencidos (porque seguidores da ideologia da segurança) os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie.
Prevaleceu a tese de que qualquer prisão não devidamente fundamentada na absoluta necessidade, antes da sentença condenatória transitada em julgado, contrariaria o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF), segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
O ministro Celso de Mello deixou claro, entretanto, que a prisão cautelar processual é admissível, desde que fundamentada com base nos quatro pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal - garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal.
Ao proferir seu voto - o último do julgamento -, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto majoritário do relator, ministro Eros Grau. Apresentando dados, ele admitiu que a Justiça brasileira é ineficiente, mas disse que o país tem um elevado número de presos - 440 mil. "Eu tenho dados decorrentes da atividade no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que são impressionantes. Apesar dessa inefetividade (da Justiça), o Brasil tem um índice bastante alto de presos. São 440 mil presos, dados de 2008, dos quais 189 mil são presos provisórios, muitos deles há mais de dois, mais de três anos, como se tem encontrado nesses mutirões do CNJ. E se nós formos olhar por estado, a situação é ainda mais grave. Nós vamos encontrar em alguns estados 80% dos presos nesse estágio provisório [prisão provisória]".
"Nos mutirões realizado pelo CNJ encontraram-se presos no estado Piauí que estavam há mais de três anos presos provisoriamente sem denúncia apresentada", relatou ainda o ministro. "No estado do Piauí há até uma singularidade. A Secretaria de Segurança do Estado concebeu um tal inquérito de capa preta, que significa que a Polícia diz para a Justiça que não deve soltar aquela pessoa. É um mundo de horrores a Justiça criminal brasileira. Muitas vezes com a conivência da Justiça e do Ministério Público".
Sendo o processo penal de cada país um índice de aferição do seu nível de democracia e de civilização, a decisão do STF ora comentada marcou um ponto favorável ao Brasil nesse importante ranking. Prisão antes do trânsito em julgado final somente quando absolutamente necessária.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 5
Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 5
Ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória. Tratava-se de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que mantivera a prisão preventiva do paciente/impetrante, ao fundamento de que os recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo — v. Informativos 367, 371 e 501. Salientou-se, de início, que a orientação até agora adotada pelo Supremo, segundo a qual não há óbice à execução da sentença quando pendente apenas recursos sem efeito suspensivo, deveria ser revista. Esclareceu-se que os preceitos veiculados pela Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, artigos 105, 147 e 164), além de adequados à ordem constitucional vigente (art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP, que estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. Asseverou-se que, quanto à execução da pena privativa de liberdade, dever-se-ia aplicar o mesmo entendimento fixado, por ambas as Turmas, relativamente à pena restritiva de direitos, no sentido de não ser possível a execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado. Aduziu-se que, do contrário, além da violação ao disposto no art. 5º, LVII, da CF, estar-se-ia desrespeitando o princípio da isonomia.
HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078)
Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 6
Em seguida, afirmou-se que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Enfatizou-se que a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação implicaria, também, restrição do direito de defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. Ressaltou-se que o modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao denominado princípio da presunção de inocência, não sendo relevante indagar se a Constituição consagraria, ou não, a presunção de inocência, mas apenas considerar o enunciado normativo de garantia contra a possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sanção ou conseqüência jurídica gravosa que dependesse dessa condição constitucional. Frisou-se que esse quadro teria sido alterado com o advento da Lei 8.038/90, que instituiu normas procedimentais relativas aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que os recursos extraordinário e especial seriam recebidos no efeito devolutivo. No ponto, observou-se que a supressão do efeito suspensivo desses recursos seria expressiva de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei 7.960/89 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072/90. Citou-se o que decidido no RE 482006/MG (DJU de 14.12.2007), no qual declarada a inconstitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impunha a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional, ao fundamento de que tal preceito afrontaria o disposto no art. 5º, LVII, da CF. Concluiu-se que, se a Corte, nesse caso, prestigiara o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade, não o poderia negar quando se tratasse da garantia da liberdade. Vencidos os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que denegavam a ordem.
HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078)
Ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória. Tratava-se de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que mantivera a prisão preventiva do paciente/impetrante, ao fundamento de que os recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo — v. Informativos 367, 371 e 501. Salientou-se, de início, que a orientação até agora adotada pelo Supremo, segundo a qual não há óbice à execução da sentença quando pendente apenas recursos sem efeito suspensivo, deveria ser revista. Esclareceu-se que os preceitos veiculados pela Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, artigos 105, 147 e 164), além de adequados à ordem constitucional vigente (art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP, que estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. Asseverou-se que, quanto à execução da pena privativa de liberdade, dever-se-ia aplicar o mesmo entendimento fixado, por ambas as Turmas, relativamente à pena restritiva de direitos, no sentido de não ser possível a execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado. Aduziu-se que, do contrário, além da violação ao disposto no art. 5º, LVII, da CF, estar-se-ia desrespeitando o princípio da isonomia.
HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078)
Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 6
Em seguida, afirmou-se que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Enfatizou-se que a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação implicaria, também, restrição do direito de defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. Ressaltou-se que o modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao denominado princípio da presunção de inocência, não sendo relevante indagar se a Constituição consagraria, ou não, a presunção de inocência, mas apenas considerar o enunciado normativo de garantia contra a possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sanção ou conseqüência jurídica gravosa que dependesse dessa condição constitucional. Frisou-se que esse quadro teria sido alterado com o advento da Lei 8.038/90, que instituiu normas procedimentais relativas aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que os recursos extraordinário e especial seriam recebidos no efeito devolutivo. No ponto, observou-se que a supressão do efeito suspensivo desses recursos seria expressiva de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei 7.960/89 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072/90. Citou-se o que decidido no RE 482006/MG (DJU de 14.12.2007), no qual declarada a inconstitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impunha a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional, ao fundamento de que tal preceito afrontaria o disposto no art. 5º, LVII, da CF. Concluiu-se que, se a Corte, nesse caso, prestigiara o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade, não o poderia negar quando se tratasse da garantia da liberdade. Vencidos os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que denegavam a ordem.
HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. (HC-84078)
Proposta de Súmula Vinculante e Acesso do Advogado a Elementos de Prova já Documentados
Proposta de Súmula Vinculante e Acesso do Advogado a Elementos de Prova já Documentados
O Tribunal, por maioria, acolheu proposta de súmula vinculante formulada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e, em seguida, aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 14 nos seguintes termos: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”. Na espécie, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com fundamento no art. 103-A, § 2º, da CF, e no art. 3º, V, da Lei 11.417/2006, propunha a edição de enunciado de súmula vinculante que tratasse do acesso, pelo advogado do investigado, aos autos do inquérito policial sigiloso, e sugeria a aprovação do seguinte texto: “O advogado constituído pelo investigado, ressalvadas as diligências em andamento, tem o direito de examinar os autos de inquérito policial, ainda que estes tramitem sob sigilo”. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou ques¬tão suscitada pela Min. Ellen Gracie, e seguida pelo Min. Joaquim Barbosa, no sentido de se reconhecer não ser conveniente e oportuna a edição de súmula vinculante, ao fundamento de o tema tratado não ter tanta abrangência, no momento, a exigir da Corte um absoluto posicionamento sobre ele. Considerou-se estarem preenchidos os requisitos do art. 103-A da CF, e de ser oportuna e conveniente a edição da súmula vinculante haja vista estar-se diante de tema relativo a direitos fundamentais. Ressaltou-se, ademais, já haver diversos precedentes da Corte sobre o assunto. No mérito, entendeu-se que a jurisprudência do Supremo tem garantido a amplitude do direito de defesa, o exercício do contraditório e o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV) mesmo que em sede de inquéritos policiais e/ou processos originários, cujos conteúdos devam ser mantidos sob sigilo. Asseverou-se, por outro lado, que a redação sugerida pelo requerente já excluiria da determinação contida na súmula as diligências em andamento, a evitar qualquer óbice à efetividade da atividade investigatória. Precedentes citados: HC 88520/AP (DJU de 19.12.2007) HC 90232/AM (DJU de 2.3.2007); HC 88190/RJ (DJU de 6.10.2006); HC 92331/PB (DJU de 2.8.2008); HC 87827/RJ (DJU de 23.6.2006); HC 82354/PR (DJU de 24.9.2004).
PSV 1/DF, rel. Min. Menezes Direito, 2.2.2009. (PSV-1)
O Tribunal, por maioria, acolheu proposta de súmula vinculante formulada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e, em seguida, aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 14 nos seguintes termos: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”. Na espécie, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com fundamento no art. 103-A, § 2º, da CF, e no art. 3º, V, da Lei 11.417/2006, propunha a edição de enunciado de súmula vinculante que tratasse do acesso, pelo advogado do investigado, aos autos do inquérito policial sigiloso, e sugeria a aprovação do seguinte texto: “O advogado constituído pelo investigado, ressalvadas as diligências em andamento, tem o direito de examinar os autos de inquérito policial, ainda que estes tramitem sob sigilo”. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou ques¬tão suscitada pela Min. Ellen Gracie, e seguida pelo Min. Joaquim Barbosa, no sentido de se reconhecer não ser conveniente e oportuna a edição de súmula vinculante, ao fundamento de o tema tratado não ter tanta abrangência, no momento, a exigir da Corte um absoluto posicionamento sobre ele. Considerou-se estarem preenchidos os requisitos do art. 103-A da CF, e de ser oportuna e conveniente a edição da súmula vinculante haja vista estar-se diante de tema relativo a direitos fundamentais. Ressaltou-se, ademais, já haver diversos precedentes da Corte sobre o assunto. No mérito, entendeu-se que a jurisprudência do Supremo tem garantido a amplitude do direito de defesa, o exercício do contraditório e o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV) mesmo que em sede de inquéritos policiais e/ou processos originários, cujos conteúdos devam ser mantidos sob sigilo. Asseverou-se, por outro lado, que a redação sugerida pelo requerente já excluiria da determinação contida na súmula as diligências em andamento, a evitar qualquer óbice à efetividade da atividade investigatória. Precedentes citados: HC 88520/AP (DJU de 19.12.2007) HC 90232/AM (DJU de 2.3.2007); HC 88190/RJ (DJU de 6.10.2006); HC 92331/PB (DJU de 2.8.2008); HC 87827/RJ (DJU de 23.6.2006); HC 82354/PR (DJU de 24.9.2004).
PSV 1/DF, rel. Min. Menezes Direito, 2.2.2009. (PSV-1)
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
ESPECIAL
Exame criminológico não é obrigatório, mas, se for realizado, deve ser seguido
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que o exame criminológico não é obrigatório para que o preso tenha direito à progressão de regime prisional, mas o magistrado pode solicitar a realização desse exame quando considerar necessário, desde que o pedido seja devidamente fundamentado. Mesmo com a jurisprudência firme nesse sentido, são frequentes no STJ habeas-corpus contestando decisões relativas à avaliação criminológica.
O exame criminológico é feito para avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes. Ele deixou de ser obrigatório para a progressão de regime com a entrada em vigor da Lei n. 10.792, em dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84). A mudança gerou diferentes interpretações acerca do exame. A nova redação determina que o preso tem direito à progressão de regime depois de cumprir ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do presídio. Como o novo texto não faz qualquer referência ao exame criminológico, muitos criminalistas entenderam que ele havia sido extinto.
No julgamento do HC 109.811, o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, apesar de a lei ter excluído referência ao exame criminológico, nada impede que os magistrados determinem a realização do exame, quando entenderem necessário, considerando as peculiaridades do caso. Mas a determinação deve ser adequadamente motivada. A decisão do STF ocorreu no julgamento do HC 88.052, em abril de 2006.
O entendimento do STF vem sendo aplicado no STJ pelas Quinta e Sexta Turmas, especializadas em Direito Penal, que, juntas, formam a Terceira Seção. Os ministros entendem, de maneira geral, que o exame criminológico constitui um instrumento necessário para a formação da convicção do magistrado. Ele deve ser realizado como forma de obter uma avaliação mais aprofundada acerca dos riscos de colocar um condenado em contato amplo com a sociedade. Consideram também que o exame não configura constrangimento por se tratar de uma avaliação feita por meio de entrevista, sem qualquer ofensa física ou moral.
Legalidade
Muitos advogados ainda contestam a legalidade do exame. É o que ocorreu no HC 111.601, relatado pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Um homem condenado a nove anos e meio de reclusão por roubo e receptação teve o livramento condicional concedido pelo juiz da execução. Mas a liberdade foi cassada pelo tribunal estadual, após a realização do exame criminológico. A defesa recorreu alegando que submeter o preso ao exame seria criar um requisito inexistente na lei.
Para o relator, a simples apresentação de um atestado assinado pelo diretor do estabelecimento prisional não assegura ao condenado o direito de ser promovido a um regime menos restritivo. Segundo o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o bom comportamento mencionado na lei pressupõe uma avaliação mais individualizada das condições do preso abrangendo, além do comprimento às regras carcerárias, um juízo sobre a conveniência de transferi-lo a um regime menos gravoso, o que é feito no exame criminológico. Todos os ministros da Quinta Turma seguiram o entendimento do relator e negaram o habeas-corpus.
Exame não pode ser desprezado
Uma vez que a avaliação criminológica foi realizada, sendo desfavorável à concessão do benefício, o magistrado de primeiro grau não pode desprezar seu resultado. Essa é a conclusão do ministro Paulo Gallotti, ao relatar o HC 91.880. A Sexta Turma decidiu, neste caso, manter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que determinou o retorno do condenado ao regime fechado após realização de exame criminológico, principalmente porque o preso fugiu quando foi beneficiado com a progressão para o regime semiaberto.
Outros precedentes nesse mesmo sentido são os HCs 94.426 e 92.555, ambos relatados pela desembargadora convocada Jane Silva, também da Sexta Turma. Mesmo que o condenado tenha atestado carcerário favorável, o entendimento é que “o exame criminológico para fim de progressão de regime é, em tese, dispensável, mas se realizada avaliação psicológica e social, com laudos desfavoráveis ao paciente, ela deve ser considerada”.
Fundamentação
Em muitos habeas-corpus que tratam de exame criminológico, os advogados contestam a fundamentação do pedido de exame. No HC 106.289, relatado pelo ministro Jorge Mussi, a Quinta Turma restabeleceu o regime semiaberto a um homem condenado por tentativa de homicídio por entender que a solicitação de exame não estava devidamente fundamentada. A pedido do Ministério Público local, o tribunal estadual impediu a progressão de regime concedida pelo juiz da execução e pediu a realização da avaliação criminológica com base na gravidade do crime cometido, o que não é aceitável, pois o que deve ser observado é a periculosidade do preso e os riscos de seu retorno ao convívio social.
Mesmo quando o pedido de exame é fundamentado, o condenado beneficiado pelo livramento condicional que não tiver descumprido as condições impostas ou cometido falta que justifique sua regressão pode aguardar a realização do exame em liberdade. Foi essa a decisão da Quinta Turma no julgamento do HC 108.533, relatado pelo ministro Arnaldo Esteves Lima.
Mudanças em discussão
Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei (PL 1294/2007) que altera mais uma vez a Lei de Execução Penal (LEP) quanto ao exame criminológico. O texto prevê a obrigatoriedade do exame para a progressão de regime, livramento condicional, indulto e comutação de pena quando se tratar de preso condenado por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. O projeto foi apensado à outra proposta, o PL 4500/2001, que busca promover alterações mais amplas na LEP. Os projetos já foram aprovados pelo Senado e aguardam votação no Plenário da Câmara dos Deputados.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
HC 114188HC 109811HC 91880HC 106289HC 112304HC 108533HC 110515HC 92555
Exame criminológico não é obrigatório, mas, se for realizado, deve ser seguido
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que o exame criminológico não é obrigatório para que o preso tenha direito à progressão de regime prisional, mas o magistrado pode solicitar a realização desse exame quando considerar necessário, desde que o pedido seja devidamente fundamentado. Mesmo com a jurisprudência firme nesse sentido, são frequentes no STJ habeas-corpus contestando decisões relativas à avaliação criminológica.
O exame criminológico é feito para avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes. Ele deixou de ser obrigatório para a progressão de regime com a entrada em vigor da Lei n. 10.792, em dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84). A mudança gerou diferentes interpretações acerca do exame. A nova redação determina que o preso tem direito à progressão de regime depois de cumprir ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do presídio. Como o novo texto não faz qualquer referência ao exame criminológico, muitos criminalistas entenderam que ele havia sido extinto.
No julgamento do HC 109.811, o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, apesar de a lei ter excluído referência ao exame criminológico, nada impede que os magistrados determinem a realização do exame, quando entenderem necessário, considerando as peculiaridades do caso. Mas a determinação deve ser adequadamente motivada. A decisão do STF ocorreu no julgamento do HC 88.052, em abril de 2006.
O entendimento do STF vem sendo aplicado no STJ pelas Quinta e Sexta Turmas, especializadas em Direito Penal, que, juntas, formam a Terceira Seção. Os ministros entendem, de maneira geral, que o exame criminológico constitui um instrumento necessário para a formação da convicção do magistrado. Ele deve ser realizado como forma de obter uma avaliação mais aprofundada acerca dos riscos de colocar um condenado em contato amplo com a sociedade. Consideram também que o exame não configura constrangimento por se tratar de uma avaliação feita por meio de entrevista, sem qualquer ofensa física ou moral.
Legalidade
Muitos advogados ainda contestam a legalidade do exame. É o que ocorreu no HC 111.601, relatado pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Um homem condenado a nove anos e meio de reclusão por roubo e receptação teve o livramento condicional concedido pelo juiz da execução. Mas a liberdade foi cassada pelo tribunal estadual, após a realização do exame criminológico. A defesa recorreu alegando que submeter o preso ao exame seria criar um requisito inexistente na lei.
Para o relator, a simples apresentação de um atestado assinado pelo diretor do estabelecimento prisional não assegura ao condenado o direito de ser promovido a um regime menos restritivo. Segundo o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o bom comportamento mencionado na lei pressupõe uma avaliação mais individualizada das condições do preso abrangendo, além do comprimento às regras carcerárias, um juízo sobre a conveniência de transferi-lo a um regime menos gravoso, o que é feito no exame criminológico. Todos os ministros da Quinta Turma seguiram o entendimento do relator e negaram o habeas-corpus.
Exame não pode ser desprezado
Uma vez que a avaliação criminológica foi realizada, sendo desfavorável à concessão do benefício, o magistrado de primeiro grau não pode desprezar seu resultado. Essa é a conclusão do ministro Paulo Gallotti, ao relatar o HC 91.880. A Sexta Turma decidiu, neste caso, manter a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que determinou o retorno do condenado ao regime fechado após realização de exame criminológico, principalmente porque o preso fugiu quando foi beneficiado com a progressão para o regime semiaberto.
Outros precedentes nesse mesmo sentido são os HCs 94.426 e 92.555, ambos relatados pela desembargadora convocada Jane Silva, também da Sexta Turma. Mesmo que o condenado tenha atestado carcerário favorável, o entendimento é que “o exame criminológico para fim de progressão de regime é, em tese, dispensável, mas se realizada avaliação psicológica e social, com laudos desfavoráveis ao paciente, ela deve ser considerada”.
Fundamentação
Em muitos habeas-corpus que tratam de exame criminológico, os advogados contestam a fundamentação do pedido de exame. No HC 106.289, relatado pelo ministro Jorge Mussi, a Quinta Turma restabeleceu o regime semiaberto a um homem condenado por tentativa de homicídio por entender que a solicitação de exame não estava devidamente fundamentada. A pedido do Ministério Público local, o tribunal estadual impediu a progressão de regime concedida pelo juiz da execução e pediu a realização da avaliação criminológica com base na gravidade do crime cometido, o que não é aceitável, pois o que deve ser observado é a periculosidade do preso e os riscos de seu retorno ao convívio social.
Mesmo quando o pedido de exame é fundamentado, o condenado beneficiado pelo livramento condicional que não tiver descumprido as condições impostas ou cometido falta que justifique sua regressão pode aguardar a realização do exame em liberdade. Foi essa a decisão da Quinta Turma no julgamento do HC 108.533, relatado pelo ministro Arnaldo Esteves Lima.
Mudanças em discussão
Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei (PL 1294/2007) que altera mais uma vez a Lei de Execução Penal (LEP) quanto ao exame criminológico. O texto prevê a obrigatoriedade do exame para a progressão de regime, livramento condicional, indulto e comutação de pena quando se tratar de preso condenado por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. O projeto foi apensado à outra proposta, o PL 4500/2001, que busca promover alterações mais amplas na LEP. Os projetos já foram aprovados pelo Senado e aguardam votação no Plenário da Câmara dos Deputados.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
HC 114188HC 109811HC 91880HC 106289HC 112304HC 108533HC 110515HC 92555
É nulo processo em que juiz interrogou réu em fase inquisitória
É nulo processo em que juiz interrogou réu em fase inquisitória
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu declarar nulo um processo em que um juiz federal do Rio de Janeiro interrogou um acusado antes de haver ação penal. A Sexta Turma entendeu que o procedimento é ilegal, pois não está previsto no ordenamento jurídico. O entendimento é da maioria dos ministros, que seguiram voto da relatora do habeas-corpus, desembargadora convocada Jane Silva.
A relatora advertiu que a Lei 7.960/89 não autoriza o juiz a solicitar informações ao réu preso, nem a interrogá-lo antes do oferecimento da denúncia, como se fosse a autoridade judicial a responsável pela colheita da prova da fase inquisitória. Como, no caso, o juiz federal, no curso de investigações preliminares, realizou o interrogatório do acusado, são nulos todos os atos decisórios e os atos de colheita de provas praticados pelo magistrado.
O acusado é um advogado que atuava na defesa de um réu. Devido ao rumo das investigações, ele foi incluído como autor do crime de quadrilha e denunciado por isso em conjunto com os demais co-réus. O processo tramitava na 3ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, cujo juiz titular é Lafredo Lisboa.
Nulidade
Ao analisar o habeas-corpus apresentado pelo advogado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região declarou a parcialidade objetiva daquele juízo de primeiro grau, bem como o seu impedimento em relação ao acusado, determinando a redistribuição do processo a qualquer outra vara federal da Seção Judiciária fluminense. No entanto, invocando a economia processual, autorizou o aproveitamento dos atos da fase de instrução praticados antes da propositura da ação.
O acusado recorreu, então, ao STJ, alegando que havia vício insanável e que todos os atos, inclusive da fase inquisitória, seriam nulos. Em seu voto, a desembargadora convocada Jane Silva ressaltou que a lei que trata do instituto da prisão temporária não permite a participação do juiz como se fosse um inquisidor. Sendo assim, a investigação preliminar realizada pelo magistrado macula não apenas os atos decisórios, mas também todo o processo, inclusive os atos de colheita de provas por ele praticados ainda no curso da fase inquisitória.
A desembargadora Jane Silva observou que, no caso, o juiz tomou providências típicas da Polícia Judiciária ao realizar o interrogatório dos acusados, antes mesmo de haver ação penal. “Permitir que o juiz se imiscua nas funções do Órgão Acusatório ou da Polícia Judiciária é entregar-lhe de vez a gestão da prova, é retornar ao sistema inquisitivo, responsável por tantas atrocidades contra o homem acusado da prática de crimes”, refletiu a relatora.
Acompanharam este posicionamento os ministros Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura. Os ministros Paulo Gallotti e Og Fernandes entenderam que a redistribuição do processo para outra vara que não a do juiz que participou do interrogatório preliminar, determinada pelo TRF2, seria suficiente para afastar a suspeita de quebra de imparcialidade do julgador. Para esses ministros, uma vez afastado o juiz, o Tribunal local poderia aproveitar a colheita de provas, em nome da economia processual.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu declarar nulo um processo em que um juiz federal do Rio de Janeiro interrogou um acusado antes de haver ação penal. A Sexta Turma entendeu que o procedimento é ilegal, pois não está previsto no ordenamento jurídico. O entendimento é da maioria dos ministros, que seguiram voto da relatora do habeas-corpus, desembargadora convocada Jane Silva.
A relatora advertiu que a Lei 7.960/89 não autoriza o juiz a solicitar informações ao réu preso, nem a interrogá-lo antes do oferecimento da denúncia, como se fosse a autoridade judicial a responsável pela colheita da prova da fase inquisitória. Como, no caso, o juiz federal, no curso de investigações preliminares, realizou o interrogatório do acusado, são nulos todos os atos decisórios e os atos de colheita de provas praticados pelo magistrado.
O acusado é um advogado que atuava na defesa de um réu. Devido ao rumo das investigações, ele foi incluído como autor do crime de quadrilha e denunciado por isso em conjunto com os demais co-réus. O processo tramitava na 3ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, cujo juiz titular é Lafredo Lisboa.
Nulidade
Ao analisar o habeas-corpus apresentado pelo advogado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região declarou a parcialidade objetiva daquele juízo de primeiro grau, bem como o seu impedimento em relação ao acusado, determinando a redistribuição do processo a qualquer outra vara federal da Seção Judiciária fluminense. No entanto, invocando a economia processual, autorizou o aproveitamento dos atos da fase de instrução praticados antes da propositura da ação.
O acusado recorreu, então, ao STJ, alegando que havia vício insanável e que todos os atos, inclusive da fase inquisitória, seriam nulos. Em seu voto, a desembargadora convocada Jane Silva ressaltou que a lei que trata do instituto da prisão temporária não permite a participação do juiz como se fosse um inquisidor. Sendo assim, a investigação preliminar realizada pelo magistrado macula não apenas os atos decisórios, mas também todo o processo, inclusive os atos de colheita de provas por ele praticados ainda no curso da fase inquisitória.
A desembargadora Jane Silva observou que, no caso, o juiz tomou providências típicas da Polícia Judiciária ao realizar o interrogatório dos acusados, antes mesmo de haver ação penal. “Permitir que o juiz se imiscua nas funções do Órgão Acusatório ou da Polícia Judiciária é entregar-lhe de vez a gestão da prova, é retornar ao sistema inquisitivo, responsável por tantas atrocidades contra o homem acusado da prática de crimes”, refletiu a relatora.
Acompanharam este posicionamento os ministros Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura. Os ministros Paulo Gallotti e Og Fernandes entenderam que a redistribuição do processo para outra vara que não a do juiz que participou do interrogatório preliminar, determinada pelo TRF2, seria suficiente para afastar a suspeita de quebra de imparcialidade do julgador. Para esses ministros, uma vez afastado o juiz, o Tribunal local poderia aproveitar a colheita de provas, em nome da economia processual.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
Recursos no âmbito do SFH serão submetidos à lei dos recursos repetitivos
Recursos no âmbito do SFH serão submetidos à lei dos recursos repetitivos
O ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu submeter quatro recursos que tratam de questões no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação à Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/08). Os casos serão analisados pela Segunda Seção. De acordo com a mudança no Código de Processo Civil (artigo 543-C do CPC), é possível o julgamento em massa de recursos que tratem de questão idêntica de direito, sempre que o exame desta puder tornar prejudicada a análise de outras questões arguidas no mesmo recurso.
Três dos recursos afetados (Resp 969.129, Resp 1.017.852, Resp 1.070.297)) tratam de contratos celebrados no âmbito do SFH. As questões de direito tratadas são: substituição da Taxa Referencial (TR) pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC/IBGE), como índice de atualização monetária do saldo devedor; legalidade do Sistema Francês de Amortização (também conhecido como Tabela Price) e a obrigatoriedade da contratação do Seguro Habitacional diretamente com o agente financeiro ou por seguradora por este indicada.
Ainda com relação à taxa de contrato, são discutidas questões referentes à possibilidade de incidência do Coeficiente de Equiparação Salarial (CES) em contratos anteriores à edição da Lei n. 8.692/93; a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a contratos anteriores à sua vigência; limitação dos juros remuneratórios ao percentual de 10% ao ano, com base no artigo 6º, alínea “e”, da Lei n. 4.380/64; índice de correção do saldo devedor em março de 1990 e redução de multa moratória de 10% para 2%.
O último recurso (Resp 1.067.237) é relativo à possibilidade de tutela cautelar com vistas a suspender a execução extrajudicial a que se refere o Decreto-lei n. 70/66, bem como de impedir a inscrição do nome do devedor em bancos de dados desabonadores, desde que o mutuário de contrato celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação consigne os valores que entender devidos.
Segundo o ministro Salomão, restam afetar, ainda, recursos quanto ao critério de amortização (aplicação de correção monetária e juros, com posterior abatimento da prestação mensal); aplicação do Plano de Equivalência Salarial apenas às parcelas e não ao saldo devedor; legitimidade do cessionário detentor de “contrato de gaveta” para propor ação revisional de contrato em face do agente financeiro e execução extrajudicial.
O ministro deu ciência, facultando-lhes manifestação no prazo de 15 dias, à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e à Associação Nacional dos Mutuários. Também encaminhou ofícios a todos os tribunais de justiça e tribunais regionais federais para informar-lhes a suspensão dos recursos que tratam das matérias até o julgamento pelo rito da nova lei. O Ministério Público Federal terá vista dos autos.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
O ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu submeter quatro recursos que tratam de questões no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação à Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/08). Os casos serão analisados pela Segunda Seção. De acordo com a mudança no Código de Processo Civil (artigo 543-C do CPC), é possível o julgamento em massa de recursos que tratem de questão idêntica de direito, sempre que o exame desta puder tornar prejudicada a análise de outras questões arguidas no mesmo recurso.
Três dos recursos afetados (Resp 969.129, Resp 1.017.852, Resp 1.070.297)) tratam de contratos celebrados no âmbito do SFH. As questões de direito tratadas são: substituição da Taxa Referencial (TR) pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC/IBGE), como índice de atualização monetária do saldo devedor; legalidade do Sistema Francês de Amortização (também conhecido como Tabela Price) e a obrigatoriedade da contratação do Seguro Habitacional diretamente com o agente financeiro ou por seguradora por este indicada.
Ainda com relação à taxa de contrato, são discutidas questões referentes à possibilidade de incidência do Coeficiente de Equiparação Salarial (CES) em contratos anteriores à edição da Lei n. 8.692/93; a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a contratos anteriores à sua vigência; limitação dos juros remuneratórios ao percentual de 10% ao ano, com base no artigo 6º, alínea “e”, da Lei n. 4.380/64; índice de correção do saldo devedor em março de 1990 e redução de multa moratória de 10% para 2%.
O último recurso (Resp 1.067.237) é relativo à possibilidade de tutela cautelar com vistas a suspender a execução extrajudicial a que se refere o Decreto-lei n. 70/66, bem como de impedir a inscrição do nome do devedor em bancos de dados desabonadores, desde que o mutuário de contrato celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação consigne os valores que entender devidos.
Segundo o ministro Salomão, restam afetar, ainda, recursos quanto ao critério de amortização (aplicação de correção monetária e juros, com posterior abatimento da prestação mensal); aplicação do Plano de Equivalência Salarial apenas às parcelas e não ao saldo devedor; legitimidade do cessionário detentor de “contrato de gaveta” para propor ação revisional de contrato em face do agente financeiro e execução extrajudicial.
O ministro deu ciência, facultando-lhes manifestação no prazo de 15 dias, à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e à Associação Nacional dos Mutuários. Também encaminhou ofícios a todos os tribunais de justiça e tribunais regionais federais para informar-lhes a suspensão dos recursos que tratam das matérias até o julgamento pelo rito da nova lei. O Ministério Público Federal terá vista dos autos.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
Ministro nega liminar ao governo da Itália contra refúgio a Battisti
Terça-feira, 10 de Fevereiro de 2009
Ministro nega liminar ao governo da Itália contra refúgio a Battisti
O ministro Cezar Peluso negou, nesta terça-feira (10), pedido de liminar em Mandado de Segurança (MS 27875), ajuizado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo advogado do governo da Itália, contra a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro que, em 13 de janeiro último, concedeu a condição de refugiado a Cesare Battisti, pivô de um pedido de Extradição (Ext 1085) que tramita no STF.
O governo italiano pedia a suspensão do ato do ministro Tarso Genro, alegando que “sua consideração poderá gerar o prejuízo do processo de extradição de que a impetrante (Itália) é autora, caso a Suprema Corte entenda pertinente a aplicação ao caso do art. 33 da Lei nº 9.474/97(*)”. Para o advogado, o ato do ministro Tarso Genro seria “manifestamente ilegal, inconstitucional e abusivo, praticado com o indisfarçável objetivo de obstar o seguimento do processo de extradição instaurado perante essa Suprema Corte, a pedido da impetrante [Itália], em desfavor do beneficiário do refúgio [Cesare Battisti]”.
O ministro, contudo, não encontrou os requisitos necessários para a concessão da liminar. Como o pedido de extradição não foi ainda apreciado pelo STF, não existe nenhuma decisão irrecorrível “capaz de sacrificar eventual direito subjetivo do ora impetrante [república italiana]”, frisou Cezar Peluso.
O relator determinou, ainda, que se notifique o ministro da Justiça para prestar informações e que Cesare Battisti, na condição de litisconsorte passivo, responda, caso queira, ao Mandado de Segurança no prazo de 10 dias. Assim que terminar o prazo, com ou sem manifestação dessas duas partes, o pedido deve ser encaminhado ao procurador-geral da República para que se pronuncie.
Extradição
O governo italiano pediu a extradição (Ext 1085) de Cesare Battisti, condenado pela Justiça italiana, em 13 de dezembro de 1988, pelo homicídio de quatro pessoas, naquele país, crimes que teriam sido cometidos entre 1977 e 1979.
MB/LF
Lei 9474/97, Artigo 33: “O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio”.
Ministro nega liminar ao governo da Itália contra refúgio a Battisti
O ministro Cezar Peluso negou, nesta terça-feira (10), pedido de liminar em Mandado de Segurança (MS 27875), ajuizado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo advogado do governo da Itália, contra a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro que, em 13 de janeiro último, concedeu a condição de refugiado a Cesare Battisti, pivô de um pedido de Extradição (Ext 1085) que tramita no STF.
O governo italiano pedia a suspensão do ato do ministro Tarso Genro, alegando que “sua consideração poderá gerar o prejuízo do processo de extradição de que a impetrante (Itália) é autora, caso a Suprema Corte entenda pertinente a aplicação ao caso do art. 33 da Lei nº 9.474/97(*)”. Para o advogado, o ato do ministro Tarso Genro seria “manifestamente ilegal, inconstitucional e abusivo, praticado com o indisfarçável objetivo de obstar o seguimento do processo de extradição instaurado perante essa Suprema Corte, a pedido da impetrante [Itália], em desfavor do beneficiário do refúgio [Cesare Battisti]”.
O ministro, contudo, não encontrou os requisitos necessários para a concessão da liminar. Como o pedido de extradição não foi ainda apreciado pelo STF, não existe nenhuma decisão irrecorrível “capaz de sacrificar eventual direito subjetivo do ora impetrante [república italiana]”, frisou Cezar Peluso.
O relator determinou, ainda, que se notifique o ministro da Justiça para prestar informações e que Cesare Battisti, na condição de litisconsorte passivo, responda, caso queira, ao Mandado de Segurança no prazo de 10 dias. Assim que terminar o prazo, com ou sem manifestação dessas duas partes, o pedido deve ser encaminhado ao procurador-geral da República para que se pronuncie.
Extradição
O governo italiano pediu a extradição (Ext 1085) de Cesare Battisti, condenado pela Justiça italiana, em 13 de dezembro de 1988, pelo homicídio de quatro pessoas, naquele país, crimes que teriam sido cometidos entre 1977 e 1979.
MB/LF
Lei 9474/97, Artigo 33: “O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio”.
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