Falta de estrutura transforma Maria da Penha em "faz-de-conta", alerta Juíza
Com a atual estrutura existente em Porto Alegre, agressores e vítimas não recebem atendimento e tratamento adequado e um grande número de infrações penais acaba prescrevendo, fazendo com que a Lei Maria da Penha seja um “faz-de-conta”, pois na sistemática atual cada instituição “faz o seu papel”, mas pouco ou nada muda na prática. Essa é a avaliação da Juíza Osnilda Pisa, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
Para sanar esse problema, a magistrada defende a criação de um Centro Integrado de Atendimento com psicólogos, assistentes sociais e defensores públicos para a triagem das situações com os encaminhamentos necessários de cada caso. Afirma que é preciso diferenciar os casos de saúde pública, de família e os de polícia, e considera que o ingresso de toda essa demanda via Delegacia de Polícia inviabiliza o objetivo da própria Lei Maria da Penha.
Mau uso da Lei
A magistrada relata que muitas mulheres procuram o Juizado não por terem sido vítimas de violência, mas em busca de benefícios financeiros através das medidas protetivas, especialmente a que afasta o denunciado do lar. Desejam a separação, mas não querem realizar a separação de bens e acabam frustradas quando têm seu pedido negado. Algumas também utilizam a medida como uma forma de chantagear o companheiro, com fins que vão desde reatar o relacionamento a conseguir benefícios diversos.
A Juíza Osnilda Pisa destaca que casos como esses revelam a concepção errada que muitas pessoas têm sobre a Lei. Salienta que a determinação de afastamento do suposto agressor do lar é uma medida excepcional, visando unicamente preservar a integridade física e psicológica da vítima. Nos casos em que é concedida medida protetiva de proibição de determinadas condutas, como aproximação ou manter contato por telefone, tem sido adotada a reciprocidade da medida, ficando também a mulher proibida de praticar conduta idêntica.
Centro Integrado de Atendimento
A magistrada conta que a maioria das mulheres ao procurar a delegacia especializada para registrar ocorrência – que posteriormente vai ser encaminhada ao Juizado – está abalada emocionalmente. Ressalta que as policiais, apesar da dedicação, não estão habilitadas para acolher, acalmar e orientar as vítimas, encaminhando os casos adequadamente, até porque não é essa a função da polícia.
Aponta que muitas desejam apenas a separação, ou internação para filhos ou marido dependentes de drogas ou com problemas de alcoolismo ou psíquicos, situações que não precisam de registro de ocorrência policial. Com a disponibilização de Centro Integrado que proporcionasse auxílio de psicólogos, Assistentes Sociais e Defensores Públicos e fizesse a triagem dos casos - antes do registro de ocorrência junto à Polícia –, as vítimas desde logo receberiam orientação e os encaminhamentos para a efetiva solução do problema que não precisam da intervenção policial. Isso evitaria sobrecarga do serviço policial e permitiria o adequado atendimento das situações que efetivamente demandam intervenção policial e da Justiça Criminal, no caso do Juizado de Violência Doméstica.
Atualmente tramitam cinco mil ações e são realizadas em média 24 audiências por dia. A Juíza Osnilda Pisa afirma que se fossem recebidas apenas as situações que efetivamente competem ao Juizado da Violência Doméstica, seria possível soluções mais céleres.
Outro efeito do grande volume de ocorrências, segundo a magistrada, é a dificuldade de a Delegacia realizar uma investigação aprofundada e enviar os inquéritos dentro do prazo de 30 dias. Parte dos inquéritos policiais chega ao Juizado transcorridos dois anos da data do fato, prazo prescricional da maioria dos crimes e contravenções que envolvem os casos de violência doméstica.
Falta de leitos para tratamento
A Juíza ressalta que muitos casos não são “de polícia”, mas de tratamento por dependência de drogas, especialmente de álcool ou crack, e de transtornos psiquiátricos. No entanto, a rede de saúde não possui estrutura para atendimento e leitos para internação.
Grande parte dos usuários de drogas é enviada ao posto de saúde PAM-3, na Vila Cruzeiro, para serem diagnosticados e internados. No entanto, acabam recendo alta após 24 ou 48 horas, devido à escassez de vagas. Como alternativa, a magistrada tem enviado os presos em flagrante – que descumpriram medida - para o Instituto Psiquiátrico Forense, local que, no entanto, não realiza a desintoxicação com o uso de medicamentos.
Diante disso, ressalta a magistrada, “resta o encaminhamento aos grupos de auto-ajuda, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos e Amor-Exigente, que muito têm ajudado a prevenir a reiteração da violência. No entanto, em muitos casos, sem a prévia desintoxicação ou o tratamento de doenças comórbidas, como depressão, o grupo é insuficiente”.
Fonte: TJRS
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