domingo, 8 de março de 2009

Cláusula inadmissível no indulto natalino.

Cláusula inadmissível no indulto natalino
Alberto Silva Franco

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo

FRANCO, Alberto Silva. Cláusula inadmissível no indulto natalino. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 195, p. 3, fev. 2009.


O § 4º do art. 33 da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, autoriza a aplicação de causa redutora de pena, variável entre um sexto e dois terços, quer em relação à pena privativa de liberdade, quer no tocante à pena pecuniária, aos infratores do caput e do § 1º do art. 33 do diploma legal já referido, desde que o agente, primário e de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização criminosa. Reunidos os requisitos especificados, não há como fugir à diminuição punitiva, que se traduz, então, num verdadeiro direito do próprio acusado. O texto legal não exclui, em momento algum, da menor incidência punitiva, o agente que tenha atuado como traficante. Sob esse ângulo, a direta remissão ao caput e ao § 1º do art. 33 da Lei 11.343/2006 significa a confirmação de que se revela absolutamente indiferente, para a causa de diminuição de pena, a categorização do réu como traficante ou não. Um e outro são, em verdade, destinatários do § 4º do art. 33.

Ora, em destoante conflito com esse entendimento, o Decreto n. 6.706, de 22 de dezembro de 2008, publicado no DOU do dia imediato, contém regra — inexistente, por sinal, no projeto de decreto formulado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) — que exige, no caso do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 que o condenado penalmente favorecido só poderá ser indultado se ficar demonstrada sua condição de não-traficante. Trata-se de cláusula que extravasa os poderes constitucionais do Presidente da República.

Antes de tudo porque o inciso XII do art. 84 da Constituição Federal, ao atribuir ao Presidente da República a competência para conceder o indulto ou a comutação de penas, não lhe outorgou, ao mesmo tempo, o poder de alargar ou de restringir, por via direta ou reflexa, tipologias penais. Destarte, a alteração de texto penal, por ato do Poder Executivo, retrata uma insuportável ofensa à estrita legalidade penal. No caso em exame, a incidência da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 não estava subordinada à prévia rotulação do agente como traficante ou não. Os requisitos exigíveis eram outros e, com fundamento neles, a autoridade judiciária poderia ou não efetuar a diminuição punitiva. Não tem, portanto, pertinência negar-se, agora, o indulto ou a comutação de pena, sob o argumento de que a conduta típica do condenado configurava a prática da mercancia.

Depois porque, muito embora possam ser excluídos do decreto de indulto ou de comutação determinados tipos penais, força é convir que esse decreto não pode trazer distinções no interior de uma só e mesma figura criminosa. No Decreto 6.706/2008, os benefícios penais não alcançaram expressamente os crimes hediondos e assemelhados, mas, nessa última categoria, se abriu uma exceção, em relação ao crime do tráfico ilícito de droga, para efeito de admissão do indulto ou da comutação, nas hipóteses dos §§ 2º a 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. No caso em tela, interessa apenas a hipótese do § 4º porque exclusivamente a ela foi aderida a cláusula desde que a conduta típica não tenha configurado a prática da mercancia. Assim, abriu-se uma nova exceção no raio circunscrito de outra exceção. E esta segunda exceção objetiva separar, de forma nítida, as figuras do traficante e do não-traficante, distinção que não se incluía entre os objetivos do legislador penal na formulação do referido o § 4º. O Decreto 6.706/2008 afronta, portanto, a regra da isonomia na medida em que, para a concessão do indulto ou da comutação de penas, desiguala situações fáticas que o legislador penal não teve a preocupação de distinguir.

Além disso, é inquestionável a incidência do indulto ou da comutação na fase de execução da pena e não teria cabimento, nessa fase, a reabertura do juízo de conhecimento para efeito de verificar se o agente praticara ou não atos comprovadores de tráfico ilícito de drogas. Para aferir-se a realização de tais atos, seria mister analisar os dados probatórios, o que significaria uma total subversão do processo penal, a dano do justo processo legal. Assim, se o condenado obteve a causa redutora de pena, com base no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, não terá nenhum sentido, para efeito de concessão do indulto ou da comutação que o juiz da execução penal investigue a conduta típica do condenado para verificar se pôs em prática, ou não, atos próprios do tráfico de drogas.

Em resumo, por qualquer ângulo que se enfoque a questão, a esdrúxula cláusula desde que a conduta típica não tenha configurado a prática de mercancia é de todo inadmissível, não comportando atendimento na execução penal, por significar lesão aberta a princípios constitucionais. Destarte, nenhuma restrição, por parte do juízo da execução penal, pode ser admitida em relação a condenados favorecidos pela causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006.

Alberto Silva Franco
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo

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